Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Jojo Todynho tem razão: a mulher preta não tem paz

Com o crescimento de sua popularidade, vieram também os ataques nas redes sociais. Jojo incomoda os que não conseguem conceber a ideia de ver uma mulher negra atingir voos tão altos

Jojo Todynho em Paris, na França - Foto: Reprodução
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Fui apresentada à Jojo Todynho em 2017. O hit “Que tiro foi esse?!”, que a tornou conhecida no Brasil inteiro, não saía da boca e das caixinhas de som dos meus alunos do ensino fundamental.

Em 2020, Jojo virou assunto novamente ao participar de “A Fazenda”, reality show exibido anualmente pela TV Record. Nas redes sociais, não se falava em outra coisa. Nas primeiras semanas do programa, a jovem de Bangu que viu o pai ser assassinado já era dada como campeã. O jeito único, a personalidade forte e o carisma de Jordana Gleise de Jesus Menezes conquistaram uma multidão, inclusive a escritora Conceição Evaristo, que publicou um texto no qual declarava sua torcida pela funkeira: “É que hoje é o dia do juízo final na ‘Fazenda’. E que possa ser um dia de aleluia para Jordana Gleise, a Jojo Todynho. O prêmio tem de ser dela. Escutei muitas falas de Jordana, mas escutei muito também o silêncio machucado dela. Silêncio dolorido, guardado, que há de explodir depois, na boca da própria Jordana Gleise, ou na de alguém que saiba revestir o silêncio em grito”. 

O prêmio veio. O reconhecimento da grande artista que Jojo é, também. Os olhos do mercado publicitário voltaram-se para a cantora que foi criada em uma família formada por mulheres fortes, conforme ela disse em entrevista concedida recentemente ao Mano Brown. Não demorou muito tempo, Jojo Todynho ganhou um programa no Multishow, tornando-se a primeira mulher negra a apresentar um talk show no país. Na última semana, Jojo Todynho foi convidada por Ana Maria Braga para apresentar um quadro no “Mais você”.

Com o crescimento de sua popularidade, vieram também a desconfiança e os ataques nas redes sociais, muitos deles de cunho racista. Jojo Todynho incomoda os que não conseguem conceber a ideia de ver uma mulher negra atingir voos tão altos. Assertiva como sempre, aos seus detratores, ela respondeu: “Quanto mais batem em mim, mais eu cresço!”. Atualmente, Jojo tem mais de 22 milhões de seguidores no Instagram. Um verdadeiro fenômeno. 

O casamento com o oficial do Exército Lucas Souza também virou motivo de agressões em suas redes. Ilações quanto ao término do matrimônio e os motivos que levaram o militar a estabelecer uma relação com ela são frequentes. Na quinta-feira, em um story publicado no Instagram, Jojo desabafou ao rebater tantas importunações: “A mulher preta não tem paz!”.

Impossível não concordar com Jojo – que recentemente, aliás, tornou-se garota-propaganda da grife Jean Paul Gaultier. Como tenho repetido reiteradamente nesse espaço, vivemos em um país extremamente racista, que nega às negras o direito de ser, de existir, o direito ao bem viver. Lançado no final de junho, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelou que, em 2021, 62% das vítimas de feminicídio eram afrodescendentes, o que evidencia que a mulher preta realmente não tem paz. Nossa vida está em constante perigo. 

Outro dado que confirma a afirmação de Jojo Todynho refere-se aos cuidados maternos. Segundo dados do Ministério da Saúde, somente 27% das mulheres negras têm acesso ao pré-natal. Entre as vítimas da violência obstetrícia, 65% são afro-brasileiras, mostrando que à maioria de nós tem sido usurpado o direito de gerar uma vida, de dar à luz em paz, com segurança e dignidade. 

As mulheres pretas também não têm paz para criar seus filhos. A violência racista não deixa. Fazendo uso das palavras da intelectual Lélia Gonzalez, registro novamente nesse espaço: “Ser mãe negra numa sociedade como a nossa é ver o filho (…) sair para o trabalho, para a escola e não saber se ele volta. Nós, mães negras, vivemos experiências muito duras, muito terríveis. (…) Enfim, não existe uma mulher negra que não tenha vivenciado, com um dos membros masculinos que faça parte da sua convivência, essa experiência de violência policial”. 

Assim como a Jojo Todynho, queremos ser felizes, viver em paz, desfrutar das coisas boas da vida. Diante dos dados acima, parece ser um sonho ainda distante, mas que permanece na ordem do dia. Não vamos abrir mão dele.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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