Camilo Aggio

Professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Opinião

JN: Se Jair Bolsonaro perdeu, Lula deu uma aula magna

Se sua campanha seguir nessa toada, essa eleição pode entrar para a história da política brasileira com muitas facetas de ineditismo

Apoie Siga-nos no

Para analisarmos as performances dos candidatos à presidência nas entrevistas dadas ao Jornal Nacional, inclusive em termos comparativos, precisamos fazer um distinção elementar: não se tratam de entrevistas ordinárias, mas de entrevistas situadas no calendário eleitoral.

Estamos falando, portanto, de dois gêneros distintos. 

Os critérios para analisar entrevistas com políticos de um programa qualquer não são os mais adequados para avaliar o desempenho de candidatos em entrevistas no curso de uma disputa presidencial.

No primeiro caso, a variável determinante é o debate de ideias, a apresentação e troca de argumentos, o atrito de posições e o intercâmbio com os entrevistadores. Nada disso está, rigorosamente, fora do arco de abordagens em entrevistas eleitorais, mas é mais bem-sucedido o candidato que consegue impor seu domínio sobre a entrevista, gerenciar seu ritmo e, enfim, convertê-la num evento de campanha eleitoral. 

Ciro Gomes, por exemplo, não fez isso. Ciro apresentou, como de costume, seu amplo leque de diagnósticos sobre os problemas, desafios e prioridades da realidade brasileira atual, confrontando-os com as premissas de seu projeto. Sempre com muita clareza e argúcia retórica, ainda que com algumas fragilidades.  Ciro não foi capaz, contudo, de conseguiu furar o roteiro dos entrevistadores, nem de explorar símbolos importantes e fazer avançar narrativas.

Ontem, Lula ensinou como se faz. Com uma maestria que está lhe rendendo reconhecimentos e elogios improváveis. Vejam: até João Amoêdo, do Partido Novo, elogiou o ex-presidente. Arriscaria dizer que Lula atualizou as definições de furar a bolha. 

Poderia destacar muitos momentos que ilustram a magistralidade da performance de Lula, mas não caberiam todos nesta coluna. Destaco três. Já de cara, na primeira pergunta de William Bonner, conseguiu deslocar o eixo da abordagem da pergunta sobre corrupção, que indicava os escândalos do “mensalão” e do “petrolão”, para uma discussão não sobre culpados e inocentes, mas sobre a necessidade de transparência e autonomia de órgãos de investigação e acusação para fazer que atos de corrupção não sejam escondidos, mas revelados e seus partícipes julgados. 

Em seguida, foi perspicaz em, também, deslocar a arquitetura do que se convencionou chamar de mensalão para o escândalo infinitamente maior que é o chamado “orçamento secreto”, caracterizando Jair Bolsonaro como uma nulidade gerencial controlada pela direita fisiológica do Congresso.

Por fim, mas não por último, deu uma aula, com linguagem profundamente acessível, sobre a enorme asneira que virou a discussão jornalística sobre o conceito de polarização. Polarizações políticas podem e são democraticamente saudáveis ao redor do mundo, disse Lula acertadamente. Não é o que vivemos atualmente, contudo: não há simetrias políticas entre Jair Bolsonaro e qualquer coisa presente no cenário de disputa presidencial e além. 

Quem ainda não tinha entendido o trunfo de Geraldo Alckmin como vice deve ter compreendido ontem: o ex-governador de São Paulo se tornou um emblema vistoso e tocante de um esforço de união democrática, onde adversários históricos suspendem suas diferenças em prol de um bem maior.

Cabe salientar, também, que Lula fez questão de dialogar, se referir e sempre direcionar seu olhar, ou seja, considerar, respeitar e reconhecer a autoridade da jornalista Renata Vasconcellos, que compunha a bancada. 

Talvez a leitora e o leitor estranhe a razão pela qual eu não fiz qualquer comparação com a entrevista de Jair Bolsonaro. Não o fiz porque não há comparação. Bolsonaro é um sujeito que mente, tergiversa, vende falácias e posições cínicas em escala industrial. Um delinquente, no sentido etimológico do termo. Essa, e não outra, foi a razão pela qual sofreu tantas interrupções da bancada que, como já escrevi aqui, o poupou de temas espinhosos, como corrupção e tragédia econômica. É falso que tenha sido desfavorecido por algum viés de origem. 

Lula venceu uma semana muito importante para essa eleição e conseguiu fazer do Jornal Nacional o seu primeiro programa do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral por mérito próprio, de seus assessores e sem quaisquer amortecimentos e favorecimentos da bancada.

Se sua campanha seguir nessa toada, inclusive no rádio e na televisão, essa eleição pode entrar para a história da política brasileira com muitas facetas de ineditismo. Vocês devem saber do que estou falando. 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo