Daniel Dourado

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Médico e advogado sanitarista, pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP e do Institut Droit et Santé da Universidade de Paris.

Opinião

Jair Bolsonaro pode ser preso pela atuação na pandemia?

A resposta curta é sim. Mas isso não deve ser visto como saída para a catástrofe sanitária.

O presidente Jair Bolsonaro, no meio de uma aglomeração na cidade de Catolândia, na Bahia (Foto: Alan Santos/PR)
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Nas últimas semanas, a responsabilização criminal de Jair Bolsonaro pela desastrosa gestão na pandemia de Covid-19 tem ganhado espaço no debate público. Pessoas de destaque nos meios político e jurídico têm tratado cada vez mais abertamente do assunto. Uma comissão especial de juristas da Ordem dos Advogados do Brasil recentemente emitiu um parecer que indica delitos praticados pelo atual ocupante do Planalto no enfrentamento da pandemia.

A estrutura para atribuição de responsabilidade penal ao presidente nesse caso tem uma lógica relativamente simples e prevista no Código Penal: a do chamado crime omissivo impróprio. Em linhas gerais, reconhece que a autoridade máxima do Executivo Federal tem obrigação legal de zelar pela saúde dos brasileiros e, por isso, ele deve fazer o que estiver a seu alcance para cuidar da saúde pública. Se o presidente se omite e descumpre seu dever de agir, portanto, isso é relevante do ponto de vista criminal.

A partir daí, a questão-chave é comprovar que as omissões deliberadas de Bolsonaro na gestão da pandemia foram dolosas. Ou seja, que o presidente deixou de atuar para combater a epidemia por intenção de propagar o vírus ou por indiferença às mortes e sequelas que sabidamente aconteceriam como consequência de sua negligência proposital. A primeira hipótese está associada ao crime de epidemia. A segunda, à imputação dos delitos de homicídio e lesão corporal, conforme sustenta a comissão da OAB Nacional, e tem enquadramento jurídico um tanto mais difícil de ser feito.

De todo modo, é notório o menosprezo de Bolsonaro pelas as orientações científicas e o boicote promovido por ele às medidas sanitárias comprovadamente eficazes contra a epidemia de Covid. Além do discurso negacionista e do incentivo ao uso de medicamentos que não funcionam, há evidências concretas de omissão dolosa, sobretudo na recusa de compra de vacinas oferecidas ao governo brasileiro e no descaso diante da tragédia de Manaus.

Há elementos suficientes para buscar a responsabilização do atual presidente pelos crimes cometidos. No entanto, a punição do governante no exercício do mandato é improvável.

A Constituição protege a figura do Presidente da República, que é a expressão do poder político no sistema presidencialista. Por isso, enquanto estiver no cargo, Bolsonaro só pode ser julgado pelo STF e pelos crimes comuns relacionados ao exercício da presidência – o que é o caso. Para isso, precisa ser denunciado pelo Procurador Geral da República e a acusação ser aceita por dois terços da Câmara, o mesmo quórum necessário para abertura de processo de impeachment.

Além disso, a Constituição assegura que o presidente só pode ser preso após condenação definitiva. Isso significa que um governante não pode ser preso em flagrante nem em prisão preventiva ou temporária durante o mandato. Portanto, a possibilidade de Bolsonaro ser preso no cargo é bastante remota.

A Constituição foi concebida para resguardar o sistema de governo e não se imaginava que um sujeito tão desqualificado ocuparia a presidência num período tão crítico.

Porém Bolsonaro não precisa ser preso para ser parado. O Congresso tem mecanismos institucionais para afastá-lo do cargo, seja denunciado pelo PGR por crime comum, seja em abertura de processo de impeachment aceito pelo presidente da Câmara dos Deputados. Se Bolsonaro é claramente responsável pelo impacto da pandemia no País, a reponsabilidade por ele continuar impune é dos parlamentares que continuam lhe dando apoio, já que a atual oposição não tem votos suficientes para impedi-lo.

Jair Bolsonaro pode e deve responder pelos seus crimes. O que possivelmente vai acontecer assim que ele deixar a presidência. Mas o direito penal não é meio adequado para resolver crises políticas. E, no Brasil, a crise sanitária é sobretudo de natureza política, pois Bolsonaro é o maior agravante da pandemia.

Tomara que a solução política esteja próxima. O Brasil precisa urgentemente voltar a respirar.

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