Inelegível é pouco

A inelegibilidade de Bolsonaro soa como migalha se não for sucedida por sua prisão e, principalmente, por um forte movimento de massas

Foto: Evaristo Sa/AFP

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Certo colunista do Estadão saiu recentemente em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro. Em sua coluna, escreveu que que o processo contra o ex-mandatário é um “ato de repressão política em estado bruto” típica de “um regime a caminho de se tornar totalitário” e que “os que mandam no Brasil de hoje não querem que ele dispute nenhuma eleição, porque têm medo de que possa ganhar”.

“Ele não fez nada contra a lei”, arrematou. Seu crime seria “ser de direita”. Puro suco do bolsonarismo agora visto com ressalvas pelo Estadão – que, noutros tempos, se posicionou com altivez ao lado de Bolsonaro. Em 26 de março, o jornal concluiu que ele “cometeu crimes eleitorais e deve, portanto ser punido por seus atos, a começar pela decretação de sua inelegibilidade”.

Roosevelt teria dito, em 1936, que Anastasio Somoza, ditador da Nicarágua, “pode ser um filho da puta, mas é o nosso filho da puta”. Durante algum tempo, Bolsonaro foi o “filho da puta” da direita que escova os dentes. Com a derrota nas eleições e a inelegibilidade de Bolsonaro reconhecida pelo TSE, o esforço do campo liberal/conservador/reacionário parece ser o de assimilar o bolsonarismo ao garfo e à faca, mantendo a civilidade enquanto arregimenta o nada desprezível capital político do ex-capitão.

Pesquisa da Genial/Quaest apontou que 43% dos brasileiros é contra à inelegibilidade de Bolsonaro, sinal forte de que episódios como o da prisão de Mauro Cid e o das jóias sauditas não afetaram sua base. O bueiro foi aberto e o protagonismo do Judiciário no enfrentamento ao golpismo mostra que tapá-lo será um problema.

A construção de um sucessor já está encomendada. Tarcísio de Freitas, Romeu Zema, Flávio Bolsonaro, Michelle Bolsonaro e Walter Braga Netto estão na bolsa de aposras. Suas chances de êxito aumentam na medida em que as derrotas do bolsonarismo se situam mais nos tribunais que nas ruas. A baixa mobilização popular e a tendência de judicializar as batalhas mostram que ainda há pouco cal nessa pá.

A impossibilidade de Bolsonaro se candidatar nos próximos anos tem grande relevância. Mas é ingenuidade achar que tirá-lo da política institucional resolverá nossos problemas.


Diante dos crimes que cometeu durante seu mandato, com incontáveis denúncias engavetadas tanto por Lira quanto por Aras, a inelegibilidade soa como migalha se não for sucedida por sua prisão e, principalmente, por um forte movimento de massas que leve o bolsonarismo à lona.

Inelegível é pouco. Talvez o que desejamos ainda nem tenha nome.

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