Aldo Fornazieri

Doutor em Ciência Política pela USP. Foi Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), onde é professor. Autor de 'Liderança e Poder'

Opinião

Impasse na Ucrânia

Lula acerta em atuar pela paz, mas não pode negligenciar o fato de que Putin é o invasor e tem sido acusado de crimes de guerra

Zelensky e Putin. Fotos: JACK GUEZ, Sergei SUPINSKY, Sergei GUNEYEV / AFP / SPUTNIK
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A guerra movida por Vladimir Putin contra a Ucrânia completa um ano com alguns consensos entre os analistas e muitas incertezas. O principal consenso diz respeito ao erro de cálculo monumental de Putin ao iniciar a guerra, imaginando que tomaria a Ucrânia em três dias. O presidente russo calculou mal a resistência ucraniana e não imaginou que o Ocidente (EUA e Europa) reagiria fortemente.

Outros consensos se referem ao caráter desnecessário e criminoso da guerra, a violar vários princípios da ONU. Os russos são acusados de cometer crimes de guerra e contra a humanidade. O sequestro de crianças e sua alocação em campos de concentração, até que sejam adotadas por famílias russas, equiparam Putin a Hitler, que sequestrou milhões de crianças polonesas, e aos generais da ditadura argentina.

Há ainda o consenso acerca do despreparo do exército russo para a guerra: mil tanques russos foram destruídos e 500 capturados pelos ucranianos. As perdas de jovens soldados russos são enormes, causando dor e sofrimento às famílias e aumentando as críticas internas à condução dada pelos generais russos. Hoje existem cerca de 20 mil presos políticos na Rússia e mais de 3 milhões de pessoas que abandonaram o país.

Do lado ucraniano, evidentemente, a dor e o sofrimento são ainda maiores, em face da morte de civis, de crianças, da destruição de casas, escolas, hospitais, infraestrutura e escassez de alimentos, remédios e energia. Neste inverno, ­Putin moveu uma guerra contra a população civil ao destruir as linhas de abastecimento de energia, impondo um frio rigoroso às pessoas.

No que diz respeito aos rumos da guerra, nos últimos dias o que se viu foram dois tipos de escalada. Uma escalada retórica, por parte de Putin e Biden. Putin voltou a proferir ameaças, mas sem definir novos objetivos. Deixou claro que não aceitará uma derrota. Biden, por sua vez, com o aval da Europa e da Otan, reforçou o apoio à Ucrânia e deixou claro que não aceitará uma vitória da Rússia na Ucrânia.

Na frente militar, a escalada deve-se, por um lado, ao deslocamento de 300 mil soldados russos para o território ucraniano e, por outro, pelo fornecimento de artilharia pesada e moderna à Ucrânia pelos países ocidentais. Possivelmente, a Ucrânia deverá receber aviões de combate com o aumento de seu poderio bélico.

Com a perspectiva de escalada da guerra nos próximos meses, quais são os cenários vislumbrados? Há um significativo consenso entre os analistas políticos e militares do Ocidente em torno de um paradoxo: no curto e no médio prazo, a Rússia não tem capacidade para alcançar seus objetivos políticos pela via da força militar e a Ucrânia não tem força suficiente para expulsar o invasor e reconquistar a integralidade do seu território. Os objetivos de um ou de outro só poderiam ser alcançados por uma guerra prolongada, o que pode exaurir as forças e capacidades de ambos.

Estabelecido este impasse, muitos apostam que a racionalidade dos contendores os levaria à mesa de negociações. É improvável que se chegaria à paz, mas é possível que se chegue a um armistício, com a suspensão dos combates. Para esse armistício, ambos os lados teriam de ceder: a Ucrânia poderia abandonar a ideia de integrar a Otan e a Rússia teria de fazer concessões, em parte ao menos, de territórios invadidos.

As alternativas às negociações e ao armistício seriam trágicas: envolvimento crescente da Otan na guerra, uso de armas nucleares táticas por parte da Rússia ou guerra nuclear de grande escala. As consequências seriam imprevisíveis.

Além do impasse acerca da possibilidade de vitória de um ou de outro, o que pode reforçar as negociações são, do lado russo, o esgotamento da capacidade de repor o material bélico, o crescente descontentamento interno e as duras consequências das sanções sobre a economia. Do lado ucraniano, a continuada destruição, mortes na população e milhões de refugiados da guerra. Do lado do Ocidente, os elevados custos financeiros e de material bélico para manter o apoio à Ucrânia. Para o mundo, o aumento do preço de alimentos, inflação e problemas de abastecimento de energia.

Nesse sentido, as pressões pelo fim da guerra, venham elas de onde vierem, são bem-vindas. O presidente Lula acerta em pressionar pela paz. Mas essa pressão não pode negligenciar o fato de que Putin é o invasor que violou princípios da ONU e que vem sendo acusado de crimes de guerra. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1248 DE CARTACAPITAL, EM 1° DE MARÇO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Impasse na Ucrânia”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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