Aldo Fornazieri

Doutor em Ciência Política pela USP. Foi Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), onde é professor. Autor de 'Liderança e Poder'

Opinião

cadastre-se e leia

Hora da virada

A aprovação da nova política fiscal abre uma janela de oportunidades para o governo reassumir o protagonismo político

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Foto: Lula Marques/Agência Brasil
Apoie Siga-nos no

O Brasil passa por uma conjuntura cuja síntese indica que o governo patina, principalmente na articulação política e na comunicação, o Congresso é improdutivo e o Judiciário é hiperativo, mesmo na ação política. Há uma diferença entre o ativismo do Judiciário e sua intensa atividade. O ativismo ocorre quando o Judiciário toma a iniciativa de entrar em brechas deixadas pelo governo, mas principalmente pelo Congresso. A hiperatividade dos tribunais superiores decorre da intensa demanda de que são alvos, particularmente vinda dos políticos e dos partidos.

A atividade política do STF e do TSE cresceu de forma exponencial durante os quatro anos de mandato de Bolsonaro. Isto decorreu de alguns fatores. O mais importante é que o Congresso e as oposições não foram capazes de colocar um freio às iniciativas golpistas de Bolsonaro. Terceirizaram essa responsabilidade para o STF e o TSE.

Ao assumir o governo, Lula fez um apelo para que os políticos procurassem resolver os problemas do País pela política, não pelos tribunais. Estava certo. Mas quis a deusa Fortuna ou o Destino que o STF se tornasse o epicentro da política no início do terceiro mandato. Isto se deu não pela vontade de Lula, mas pela tentativa de golpe de 8 de janeiro.

A partir desse fato nefasto, o STF recebeu uma excepcional sobrecarga de atividades político-jurídicas. Levará certo tempo para que esta sobrecarga diminua. Note-se também, e isto não é por acaso, que o STF e o TSE eram alvos principais da ação golpista, uma vez que seu planejamento passava pela prisão de Alexandre de Moraes e pelo possível fechamento (ou intervenção) dos dois tribunais.

Em qualquer país democrático, o governo é que deve ser o epicentro político. Para retomar essa condição, Lula precisa enfrentar dois gargalos imediatos: melhorar a articulação política e desenvolver uma eficiente estratégia de comunicação, que acerte não só no uso ­adequado dos meios, mas também no discurso. Com o advento dos meios digitais e com o espaço em branco entre os fatos e a verdade, o discurso e a ação política ganharam relevância excepcional. Errar nesses pontos pode ser fatal.

Lula desenvolveu um enorme e exitoso esforço para recolocar o Brasil numa condição digna no plano internacional neste início de mandato. Essa iniciativa é importante para o incremento do comércio e para a atração de investimentos. Se há uma qualidade que sempre foi exaltada em Lula é a sua habilidade política. Tudo indica que ele passará a se dedicar mais à articulação com o Congresso. Mesmo que seja difícil construir uma base majoritária permanente, Lula poderá apostar na construção de maiorias flutuantes em torno dos projetos do governo.

Mas agora abre-se uma enorme janela de oportunidades para o governo promover uma virada positiva na política brasileira e para retomar a centralidade na condução da agenda política do País. Essa oportunidade é oferecida pela quase certa aprovação da nova política fiscal. O artífice principal dessa construção foi o ministro Fernando Haddad. Ele acertou não só na construção teórica da estrutura principal do projeto, mas também na construção política para a sua aprovação.

Haddad foi hábil na conquista de apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira, nas negociações com o relator Cláudio Cajado, nas costuras internas ao governo e com as lideranças partidárias na Câmara e no Senado. Ao abrir-se para as contribuições vindas do Congresso, permitiu que a nova política fiscal adquirisse a dimensão de uma política de Estado, reduzindo resistências.

A nova política fiscal tem importantes virtudes: equilibra o fiscal com o social de forma flexível e salvaguarda as duas principais políticas distributivas existentes: o salário mínimo e o Bolsa Família. Outras políticas públicas estratégicas também estão salvaguardadas, tanto pelo projeto quanto pela Constituição. Destacam-se a educação, a saúde e a pesquisa científica. Considerando que o projeto vem investido como uma política de Estado, as travas de gastos inseridas no texto do relator devem ser consideradas como aperfeiçoamentos constitutivos de exigência de maior responsabilidade dos governantes e de mais previsibilidade para o País.

A partir de sua aprovação, as principais incertezas dos agentes econômicos deixarão de existir. A retomada de investimentos poderá ser mais intensiva e é previsível que a taxa de juros entrará num ciclo declinante, mesmo que moderado. O Brasil terá um caminho para a retomada do crescimento, fator decisivo para melhorar a percepção positiva da sociedade em relação ao futuro. Os dividendos políticos serão consequência natural, desde que o governo não erre na condução política. •

Publicado na edição n° 1260 de CartaCapital, em 24 de maio de 2023.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

Leia essa matéria gratuitamente

Tenha acesso a conteúdos exclusivos, faça parte da newsletter gratuita de CartaCapital, salve suas matérias e artigos favoritos para ler quando quiser e leia esta matéria na integra. Cadastre-se!

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo