Paulo Nogueira Batista Jr.

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Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

Opinião

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Há conciliação com a Faria Lima?

O BC comporta-se como Quarto Poder, não apenas autônomo, mas independente, ao arrepio da lei

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O ministro Fernando Haddad vem pedindo, há algum tempo, harmonia entre as políticas monetária e fiscal. Faz sentido. Em todos os países razoavelmente organizados, mesmo um BC autônomo se vê obrigado a coordenar as suas ações com as do Tesouro. Isto significa não só a troca regular de informações entre as duas instâncias, mas o cuidado de levar em conta as ações da outra parte na definição e implementação das suas. Se há alguma prevalência, esta é das autoridades fiscais, que representam o governo eleito.

Haddad não se limita a lançar apelos públicos em prol da harmonia. Vem fazendo o possível para aplacar o Banco Central e, mais importante, a base social da autoridade monetária – a Faria Lima, também conhecida como turma da bufunfa. Não é fácil, leitor, mas o ministro da Fazenda se esforça. Em janeiro, anunciou um pacote de ajuste fiscal. Em seguida, abandonou ou postergou a pretensão de aumentar as metas de inflação, aceitando os argumentos do BC de que isso seria contraproducente. Agora, em abril, anunciou um “arcabouço fiscal” com travas ao gasto público, na expectativa de convencer o BC e o mercado de que o risco fiscal será pequeno daqui para a frente.

Os apelos em favor da harmonização têm caído no vazio até agora. É que o comando do BC vê a proposta como tentativa velada de suprimir ou condicionar a sua sacrossanta autonomia. O BC brasileiro tem a pretensão extravagante, tudo indica, de definir os seus passos sem considerar a política do Tesouro.

Vamos ser mais claros. A verdade é que o BC se comporta como Quarto Poder. Não é apenas autônomo, mas ­independente. Isto ao arrepio do que a lei pretendia. O comando do BC dá repetidos sinais de que pretende enquadrar a política econômica do governo eleito. Veja bem, leitor, não apenas a política fiscal, que tem de fazer “o dever de casa” a que se refere insistentemente a ministra Simone Tebet, mas também os bancos públicos federais, que têm sido admoestados pelo BC, em seus comunicados e atas de reuniões, a não adotar políticas de estímulo à atividade econômica, que reduziriam supostamente a eficácia da política monetária.

A prevalecer a “harmonia”, tal como entendida pelo BC, o governo ficará de mãos atadas, inerte, provavelmente incapaz de relançar uma economia que está estagnada há dez anos! A política fiscal, amarrada ao seu arcabouço, conseguirá orientar-se para um papel ativo? O governo poderá determinar ao BNDES, ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica que forneçam um volume de crédito suficiente, a taxas e prazos atrativos, para destravar os investimentos na economia brasileira? Se depender do BC, não, nunca e jamais. Ficarão todas essas instâncias submetidas, harmonicamente, ao objetivo de assegurar a estabilidade monetária e o cumprimento das metas ambiciosas de inflação. O presidente da República, por sua vez, poderá continuar, sossegado, as suas críticas aos juros altos. A harmonia continuará sem sobressaltos.

Os déficits públicos, desde Keynes, são vistos como apropriados em períodos de estagnação ou recessão. Nessas situações, recomenda-se deixar os estabilizadores automáticos atuarem (isto é, a retração cíclica da carga tributária e o aumento de certas despesas ligadas à atividade econômica) e inserir componentes anticíclicos na política fiscal, expandindo, por exemplo, investimentos públicos e transferências sociais, com efeitos em termos de desconcentração da renda e multiplicadores da demanda e da atividade.

Veja o absurdo, leitor. O aumento do déficit público resultante dos juros altos não tem qualquer efeito positivo. Eleva o risco fiscal, sem benefícios em termos de reativação da economia e com efeito concentrador da renda. Só mesmo na Faria Lima essa política merecerá aplausos – e frenéticos. Simples entender por quê. Os juros elevados significam transferência de renda para os setores mais aquinhoados da sociedade. Beneficiam todos aqueles que têm poupança financeira ou reservas de caixa aplicadas em títulos públicos e outros ativos. Ora, os pobres e remediados, e mesmo a classe média baixa, pouco ou nada possuem em termos de poupança financeira. Quem recebe a renda adicional são os super-ricos – sobretudo os bilionários, as grandes empresas e os bancos que têm aplicações vultosas em títulos públicos e outros ativos líquidos. Vida mansa. Alta rentabilidade, com liquidez e sem risco.

O paraíso do rentista. •

Publicado na edição n° 1258 de CartaCapital, em 10 de maio de 2023.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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