Frente Ampla

O outono de Bolsonaro

Não há como fingir desconhecimento: tudo o coloca na cena do crime, como agente ativo da conspirata

O deputado federal Orlando Silva. Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados
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Dentre as diversas complicações que Jair Bolsonaro tem na Justiça, sem dúvida a mais importante e de maior impacto jurídico e político é a que desvendou a trama de uma tentativa de golpe de Estado a partir do núcleo palaciano, com a participação direta do ex-presidente.

As investigações apreenderam provas robustas, como a cópia do decreto ilegal debatido e alterado a pedido dele e até o discurso que seria lido quando da decretação do estado de defesa e GLO, a delação premiada do ex-ajudante de ordens Mauro Cid e, como pá de cal, o depoimento dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica. Não há como fingir desconhecimento: tudo o coloca na cena do crime, como agente ativo da conspirata.

Bolsonaro, que sempre foi dado a manias de perseguição, dorme e acorda assombrado com a prisão, que, a essa altura, quase certamente virá. Isso explica o baile de Carnaval na embaixada da Hungria, dias após a apreensão de seu passaporte. À época, a imprensa já tinha noticiado que, em seu entorno, havia o temor de que a Federal lhe viesse visitar durante a folia de Momo.

Como as embaixadas gozam de inviolabilidade, por ser o Brasil signatário da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (Decreto 56.435/65), o cumprimento de eventual mandado de prisão preventiva em seu interior seria impossível sem o consentimento do país estrangeiro. Os advogados de Bolsonaro podem alegar o que lhes parecer melhor para a defesa técnica, inclusive o conto da carochinha que ele esteve lá para debater cenários políticos, mas é evidente que o objetivo da visita momesca foi se precaver contra eventual decisão judicial.

Ocorre que isso gera implicações jurídicas relevantes. O ex-presidente tem contra si uma série de medidas cautelares, que devem ser cumpridas para afastar uma prisão preventiva. A prisão preventiva pressupõe a existência de crime (tentativa de golpe) e indícios suficientes de autoria (decreto golpista, discurso, delação de Cid e depoimentos dos comandantes etc.) e pode ser decretada, inclusive de ofício pelo juiz, quando este considerar conveniente à instrução criminal, para garantir a ordem pública ou assegurar a aplicação da lei penal (Art. 313, CPP).

Bolsonaro bingou os requisitos para a prisão preventiva! Desde o início, ele e seus comparsas tentam embaraçar as investigações, seja por terem destruído documentos e possíveis provas ao fim do governo, seja combinando entre si versões fantasiosas ou ainda agitando seus apoiadores contra a investigação em atos de rua. Mas, com o evento da embaixada, está materializada uma tentativa concreta de impedir a aplicação da lei penal. Dessa forma, no meu entender, teria amparo jurídico um eventual pedido de prisão preventiva.

Mas esse seria um grave erro do ponto de vista político por reforçar o falso discurso de perseguição que Bolsonaro tenta emplacar para manter sua base mobilizada. Alimentaria a argumentação de que o STF está atuando de maneira politizada e, pasmem, daria a bandeira da defesa do Estado Democrático de Direito justamente àqueles que tentaram solapá-lo por meio de um golpe contra a vontade das urnas.

A verdade é que Bolsonaro se encontra inelegível e cercado de todos os lados por investigações avançadas, que devem virar denúncias e, ao fim do processo, levar à sua condenação penal. Nós, que somos verdadeiramente democratas, devemos defender o cumprimento do devido processo legal até o fim, principalmente quando se trata de adversário, evitando ônus desnecessários. A pressa é inimiga da condenação.

Nós devemos tratar de governar o País, mandato que o povo nos concedeu. E o estamos fazendo bem, buscando superar inúmeros desafios políticos e econômicos, diante de uma sociedade dividida e um tanto radicalizada. Não à toa, a queda do desemprego, o controle da inflação e a certa retomada do crescimento não foram suficientes para que o governo ampliasse seu capital político.

É preciso entender que o mundo não é mais analógico, escutar mais, comunicar melhor e, principalmente, cuidar do que realmente importa: comida barata na mesa, crescimento econômico e recuperação da indústria, empregos de qualidade e direitos. Enfim, é olhar para frente!c

Quanto a Bolsonaro, ele vive seu outono. O inverno logo chegará.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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