A construção de direitos humanos é uma tarefa coletiva

Os direitos humanos são um complexo de reivindicações básicas para o bem viver de todos, que se expressam por meio de leis e marcos mínimos

População vai às ruas em defesa de direitos humanos durante a pandemia. Foto: Paulo Pinto/AFP

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Não é de hoje que o trinômio classe + raça + gênero nos impõe a base da sociedade e toda força de violências sem a devida fatoração. Também não é de hoje que fatores socioeconômicos, interseccionados no citado tripé determinam quem vive e quem morre em nosso país. A pandemia nos expõe e evidencia as atrocidades de um cotidiano escondido aos olhos cegos de quem não habita periferias e favelas porque teve a “sorte” de nascer em circunstâncias mais favoráveis ou abastadas, enquanto os amontoados em becos e vielas ou morro acima que se protejam. É exatamente sobre direitos que proponho aqui uma reflexão. É sobre o que nos impede de avançar ao menos algumas casas na defesa da dignidade para todos os humanos que habitam esse vasto chão país adentro que desejo dialogar.

 

 

Ainda sem saber por quanto tempo mais estaremos à mercê do coronavírus e com a vacinação cambaleante, nunca fomos tão desorientados pelo Estado para a civilidade, para a cidadania, para a solidariedade e a cooperação como condições da vida em sociedade. Tão fundamental quanto usar máscaras para nos protegermos é enxergarmos que a desigualdade que nos massacra como nação solapa também a nossa humanidade. A indiferença de uns fere outros tantos de morte, pelas sucessivas omissões que ratificam e normalizam a precariedade e a rotineira criminalização.

Para quem não entendeu até aqui a fundura do buraco em que estamos enfiados, peço gentilmente atenção aos conceitos: os direitos humanos são um complexo de reivindicações básicas para o bem viver de todos, que se expressam por meio de leis, processos de luta e defesa de marcos mínimos para a nossa existência e modos de vida. Educação, saúde, igualdade e não-discriminação, segurança, trabalho, lazer, previdência social, maternidade e infância protegidas, amparo quando desalentado, casa, comida e acesso à Justiça constituem cláusulas centrais do nosso ordenamento e asseguram o mínimo para que a nossa humanidade reste protegida nesta nação.


Esses direitos insculpidos em nossa Constituição são fruto do avanço internacional diante da indispensabilidade de garantia de direitos básicos, necessários à toda e qualquer pessoa no mundo, que tem na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, a base do debate legal que fazemos, mas certamente se expressam em mais ações insurgentes, contra as opressões estruturais e institucionais em incontáveis processos de luta produzidos pelo povo.

Posso esmiuçar ainda mais porque o tema é mesmo urgente. Quem trabalha de dia para comer de noite merece carteira assinada, descanso remunerado, auxílio saúde, aposentadoria. Quem é preso (ou morto) ao arrepio da lei merece suporte para a correção de injustiças, para que não se torne regra, como deveria ocorrer com todos os demais, conforme está estabelecido naquele esquecido artigo 5º da Constituição Federal. Quem tem filhos aliciados pelo tráfico de drogas clama por segurança, por acolhimento e por políticas públicas. Quem paga a mais pelo gás porque a milícia armada cobra o pedágio carece de mais segurança e liberdade. Quem trocou o nome na carteira de identidade para adequá-la à sua escolha merece respeito e oportunidades. Quem é vítima de maus tratos e violência doméstica espera por amparo, fortalecimento e pela possibilidade de recomeçar. Quem ouve tiros disparados a caminho da escola e sente medo antes de reconhecer as palavras precisa de proteção e que lhe sejam asseguradas condições para sonhar. Quem está doente espera por leito e equipe de saúde que atue para um futuro são. Quem perde o teto brada com dor por chão firme, enquanto outros gritam pelo tilintar das latas, do fogo no chão e das camas de papelão que casa não deveria ser luxo, diante de tanto teto desocupado.

Se as condições para tais garantias são concretas e conhecidas (ao menos textualmente) de todos nós, por que não as tornamos efetivamente realizáveis? Se nossa história demonstra, nesses breves cinco séculos de Brasil, que deu errado projetar um Estado que massacra, desabriga e normaliza racismo, fome e pobreza, por que não atuamos todos por equalizar o bem viver? Não sei o que você, que chegou ao fim desse texto, pensa sobre o assunto. Mas peço, solidariamente, que acredite: você também vai ganhar se virarmos a mesa em direção à justiça social, à reparação e proteção integral da vida, indistintamente. Virar esse jogo passa, sim, pela defesa de direitos humanos para todos. Garantir o não extermínio do nosso futuro é uma tarefa coletiva.

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