Frente Ampla

Com ‘nova UPP’, o Jacarezinho se tornou alvo da insegurança pública

O governo do estado vem atuando no sentido de reforçar a militarização da vida. Não podemos naturalizar a lógica de criminalização da pobreza e da favela, de genocídio e encarceramento do povo preto

Policiais ocupam favela do Jacarézinho. Foto: Carl de Souza / AFP
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Invasão a casas, móveis quebrados, roubos, cães policiais urinando no chão das pessoas, dura e esculacho na pista, armas apontadas para crianças na rua, incêndios, celulares revistados.

Estas são algumas das denúncias de moradores da favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, após o início do programa “Cidade Integrada”, lançado pelo governador Claudio Castro e operada pela Polícia Militar. A ação revisita a fracassada Unidade de Polícia Pacificadora, inaugurada pelo ex-governador Sérgio Cabral, que se encontra preso. O que essas operações têm em comum é o aprofundamento da militarização da vida e o reforço de um Estado Penal que criminaliza a pobreza e a favela.

O governador alega que a operação teve meses de planejamento. No entanto, não houve diálogo algum com o Legislativo e com a parcela da população mais afetada, que é a favela. Para que a polícia não invada e quebre tudo, os moradores do Jacarezinho estão colocando cartazes nas portas de suas casas informando são trabalhadores.

Para entender essa arquitetura de militarização provocada pelo governador, precisamos lembrar de maio de 2021, quando aconteceu a chacina do Jacarezinho, onde 29 pessoas foram executadas e até o momento não houve responsabilização do Estado. Ainda no ano passado, tivemos na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro a discussão do orçamento do estado, cujo montante para segurança pública foi de 12 bilhões, em contraposição à Secretaria de Direitos Humanos, que recebeu um total de R$ 1.185.850.852 do Orçamento Geral. Havia ZERO reais para investimentos em políticas públicas nas favelas.

Uma leitura refinada dos dados do orçamento evidencia a distorção das diretrizes de investimentos e já anunciava 12 bilhões para compra de armas e munição e financiamento de operação policial. Foi nesse embate que disputamos o orçamento pelo olhar das mulheres, pautando verbas para as favelas, o saneamento, a educação, a saúde, entre outras áreas que são fundamentais. Na metade da discussão orçamentária, em junho de 2021, foi sancionada a lei que obriga a instalação de câmeras portáteis nos uniformes dos policiais militares, reivindicação histórica dos movimentos de favelas para coibir violações de direitos humanos. No final do ano passado, o governador Claudio Castro comemorou, em suas redes sociais, o lançamento das câmeras para agentes de segurança, fiscalização e defesa civil. Nas postagens, é possível ler “Chegou um novo capítulo da segurança do RJ #SemTempoAPerder”.

Foram 21.571 câmeras, com o preço de R$296 por unidade. Isso significa que o valor da licitação foi R$ 6,39 milhões e o vencedor do pregão de licitação foi a empresa L8 Group. A compra das câmeras faz parte do “Programa Estadual de Transparência em Ações de Segurança Pública, Defesa Civil, Licenciamento e Fiscalização”, proveniente do Decreto Nº 47802, de 19 de outubro de 2021. Na primeira fase de funcionamento, as câmeras serão entregues às secretarias de Polícia Militar, Polícia Civil, Governo (Segurança Presente e Lei Seca), Casa Civil (Operação Foco) e Fazenda (fiscais), além do Detran, Inea e Detro. Na segunda fase, será a vez do Procon, Instituto de Pesos e Medidas e Departamento de Recursos Minerais.

No entanto, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) suspendeu a licitação após denúncia de irregularidades na formalização do pregão. Vale lembrar que o próprio governo do estado anunciou que esta era a maior licitação do país. Esta operação de “Cidade Integrada” precisa ter a obrigatoriedade de uso das câmeras portáteis. Em menos de 1 ano, o Jacarezinho sofreu duas operações extremamente violentas com inúmeras denúncias de violações de direitos humanos, justo quando o Supremo Tribunal Federal determinou a suspensão de ações desse tipo. E esta, ao que parece anunciado pelo governo, será apenas a primeira de outras favelas. 2022 é ano eleitoral e o que o governador oferece é a espetacularização da violência policial e violações de direitos humanos. A ocupação ocorreu no mesmo dia em que Cláudio Castro viajou a Brasília para recorrer sobre o parecer contrário à renovação do Regime de Recuperação Fiscal. Mais uma vez, a vida do povo negro sendo tratada como moeda de troca em diálogos com o governo federal e o ultraliberalismo.

Quando falamos em segurança pública, também falamos de investimentos em educação, saúde, moradia, emprego e renda, saneamento, cultura e lazer. Não podemos naturalizar a lógica de criminalização da pobreza e da favela, de genocídio e encarceramento do povo preto.

Da discussão do orçamento às políticas públicas centralizadas em territórios mais privilegiados, o governo do estado vem atuando para reforçar a militarização da vida. Nós, mães e crias de favela, queremos que nossos filhos e nossas filhas andem tranquilamente na onde nasceram. Queremos bem-viver, comida na mesa, transporte público de qualidade, água potável. A favela quer viver!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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