Esther Solano

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Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Unifesp

Opinião

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Feliz ano-novo

O sofrimento, que havia nos deixado perplexos e entorpecidos nos primeiros anos do bolsonarismo, foi catapultado em potência e em ação. É uma vitória de todos nós

Foto: EVARISTO SA / AFP
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Última coluna de 2022, meus amigos. Foi um prazer dividir estas páginas com vocês. Na maioria das vezes, minha escrita tem nascido da angústia, como não podia ser de outra forma em tempos de destruição e ódio, em tempos em que a alegria política era impossível. A angústia compartilhada é outra coisa, transforma-se em impulso de luta, transforma uma dor que vem das entranhas na possibilidade de algo diferente. Agradeço a vocês por terem me permitido lidar com minhas angústias neste ano, e foram tantas.

Talvez sem a possibilidade de ter dito em voz alta as dores do governo Bolsonaro elas teriam se enquistado e me deixado paralisada, pois sabemos que o sofrimento não dito, os traumas não escritos, as agonias silenciadas nos asfixiam, nos acorrentam. Escrever é um ato terapêutico, escrever em tempos de ódio é um ato mais terapêutico ainda. Eu, como professora e pesquisadora, encontrei nestes anos na educação, na pesquisa social e na escrita minhas formas de revolta contra o monstro. Escutar os outros para entendê-los, aprender, conversar, ensinar, foi meu instrumento de luta. A sala de aula, trincheira. A escuta dos bolsonaristas não fascistas, trincheira. Cada um luta com as armas que tem, mas a escuta, a palavra e a educação são poderosas como mísseis.

Obrigada por este espaço, no qual o sofrimento se transformou em palavra e em laço social, no qual a gente se sentiu identificada e unida, apesar da abstração de uma coluna, pela concretude de nossas dores. Foi um privilégio. Como é importante construir espaços de compartilhamento de nossas angústias, pôr em voz alta as nossas tristezas. Como é importante que os nossos desesperos sejam escutados, abraçados, que a gente possa sentir que se desespera junto e que a nossa tristeza é coletiva, política e, portanto, pode ser ação e mudança.

E foi, opa se foi. Enfrentamos uma campanha eleitoral arquitetada no ódio, na mentira, na violência, no pânico moral, em quantidades pornográficas de dinheiro e, mesmo assim, vencemos. Conseguimos transformar a nossa ansiedade em revolta e, depois, em vitória. O sofrimento, que nos havia deixado perplexos e entorpecidos nos primeiros anos do bolsonarismo, foi catapultado em potência e em ação. Conquistamos juntos esta vitória. A campanha de Lula não foi a campanha de um homem só. Foi a campanha de milhões de nós, que conseguimos colocar a nossa angústia em movimento e fazer dela esperança.

E a gente vai começar 2023 com Lula presidente. Não sei se caiu a ficha ainda da grandiosidade destas palavras. Só sei que vou chorar muito no dia da posse. Será um choro de alegria, mas também a condensação de todo o tormento dos últimos quatro anos. Aposto que muitos de vocês vão chorar lágrimas de esperança, de vitória, lágrimas de uma sociedade que passou por um calvário político e que conseguiu sobreviver, bom, aqueles que conseguimos sobreviver, porque essas lágrimas também serão derramadas por todas as vítimas deste governo fascista e genocida que não estarão conosco para chorar ao ver Lula subir a rampa do Planalto.

Eu vou chorar mais ainda. Tornei-me mãe no governo Bolsonaro, mas agora meu filho terá uma infância no governo Lula. Ele vai brincar em um ­país cujo governo não odeia quem brinca, inventa, cria e imagina. Ele vai poder ir a uma escolinha num país cujo governo não odeia a educação. Ele vai poder escutar as musiquinhas num país cujo governo não odeia a arte porque a arte é o fantasma dos fascistas. Ele vai poder dançar num país onde o governo não odeia a festa, a alegria, o Carnaval, a dança, porque não há nada pior para um autoritário do que corpos alegres e livres.

Enfim, sei que muitas coisas continuam iguais, sei que há muita luta ainda, muito bolsonarismo vivo e forte, mas esta coluna é de esperança. Quero acabar este ano a gritar, em voz alta, com todos vocês: Vencemos!!! Quero saborear esta palavra e me deleitar no êxtase de começar 2023 com Lula.

Obrigada, obrigada de novo, por este espaço no qual as dores eram dores de todos nós. Obrigada por tantas mensagens de carinho que recebi de muitos de vocês, que, do outro lado da tela ou do papel, se fizeram presentes na minha vida com abraços escritos. Aos milhares de mensagens de ódio que também recebi, aprendi a viver também com vocês. Sei que por trás deles esconde-se a mediocridade e a covardia. É Lula 2023! •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1239 DE CARTACAPITAL, EM 21 DE DEZEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Feliz ano-novo”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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