Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Eu, robô

O mundo virou virtual

Imagem: iStock
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A cada dia que passa, vou me sentindo mais e mais um robô. Mesmo sabendo que sou de carne e osso, a vida vai me transformando em um ser de alumínio, vidro, acrílico, fios, baterias.

O cérebro eletrônico comanda

Manda e desmanda

Mas ele não anda

Ontem mesmo, fui fazer alguns exames médicos e levei um susto. Acostumado a chegar no laboratório e encontrar, logo na entrada, uma simples maquininha de senha, o que encontrei foi um terminal de computadores que queria saber tudo de mim.

Fui digitando o número do RG, do CPF, o número enorme da carteirinha do convênio e respondendo perguntas: nome completo, conhecido como, data do nascimento, endereço, telefone fixo, celular. Quando terminei, a máquina pediu para que eu fotocopiasse a minha carteira de identidade, a carteirinha do Bradesco Saúde e o pedido médico.

Só então apareceu uma mocinha, me deu bom dia e colocou no meu pulso uma pulseirinha com o meu nome, minha idade e um QR-Code tipo esta é a sua vida.

Na hora de tirar o meu sangue, por enquanto, foi um humano que tirou.

Criar meu web site

Fazer minha homepage

Com quantos gigabytes

Se faz uma jangada e um barco que veleje

Gosto de conversar com as pessoas, mas, ultimamente, tenho resolvido tudo sem precisar dar uma palavra sequer. Pago contas sem dar bom dia pra caixa do banco, peço pizza sem ter a quem pedir pra caprichar na calabresa, chamo um táxi sem dizer como vai pro motorista, solicito um técnico na minha casa pra consertar a máquina de lavar louça sem dar um pio.

Compro a peça que quebrou no Mercado Livre sem ver o vendedor, sem saber quem ele é, se homem ou mulher, branco ou preto, gordo ou magro.

Faço sacolão online sem ter o direito de dar uma apertadinha no caqui pra saber se não está maduro demais, sem poder escolher os limões de casca fina, ou saber se tem química no sucrilhos que escolhi.

Até mesmo com o meu jornaleiro do outro lado da rua não tenho mais falado. Ele que sonha ganhar na mega-sena toda semana, agora tem um pix e o pagamento é feito com apenas poucos cliques no celular. Ele me passa o valor, eu transfiro e ele responde com um beleza!

No princípio, na verdade no final do século passado, eu estranhei um pouco essa tecnologia. Ainda insisti em ir ao banco pagar os boletos, acompanhar a barriga crescendo da caixa, ouvir reclamações da fila que não anda. Mas nunca mais fui, depois do aviso que li dependurado na parede: Não estamos mais recebendo contas de luz, de gás, de telefone.

Este mundo acabou. Passo o mês sem ver a cor do dinheiro vivo, sem fazer sinal na calçada para o taxista parar, sem pedir talão de cheque pelo telefone, sem esperar o carteiro passar e me entregar o boleto do cartão de crédito. O mundo virou virtual.

Estou aqui imaginando que, em breve, para você comprar meia dúzia de pãezinhos franceses, você vai ter de entrar no aplicativo da padaria, cadastrar, escolher uma senha, fazer o pedido e esperar o pãozinho chegar na sua casa.

Hoje cedo, acredite, passeando com o meu cachorro Canela, encontrei o jornaleiro vindo na calçada. Perguntei se tinha ido na loteca fazer a mega e ele me respondeu: Não! Agora eu faço o jogo pela Internet.

Músicas citadas: Cérebro Eletrônico e Pela Internet, de Gilberto Gil

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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