Opinião

Estamos bem perto do fundo

Há luz: os golpes vêm fazendo água por todos os lados, sem reconhecimento externo e cada vez mais confrontados pelas forças democráticas

Em protesto à saída de Evo Morales do Poder, manifestantes escrevem na bandeira: "não vendemos a Bolívia à OEA". (Foto: Ronaldo Schemidt/AFP)
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Na semana passada, a política externa brindou-nos com vexames “a non finire”, conforme a expressão italiana.

Décadas transcorrerão antes do país recuperar os estragos que as cliques no Planalto e no Itamaraty vêm infligindo ao Brasil.

Em uma única semana patrocinaram o golpe na Bolívia e a invasão da embaixada da Venezuela.

De fato, em ambos os casos, os golpistas foram recebidos previamente, pelo chanceler, ilegítimo, Ernesto Araújo, e pelo ministro da justiça, igualmente ilegítimo, Sérgio Moro, no caso do golpe na Bolívia.

Entretanto, os aprendizes de mago, como sempre, falharam: o golpe vem fazendo água por todos os lados, sem reconhecimento internacional e cada vez mais confrontado internamente pelas forças democráticas.

A Bolívia não é o Brasil – mas os terraplanistas provincianos só enxergam a própria imagem, que tomam por modelo universal.

A Bolívia erradicou o analfabetismo, criou uma potente rede de rádios comunitárias e conta com forças armadas, ainda que minimamente, nacionalistas. Lá, os militares têm até noção do que seja “imperialismo”, pois têm a matéria no currículo.

Não basta o ministério das colônias, também conhecido por Organização dos Estados Americanos (OEA), dar aval ao golpe (o secretário-geral da OEA, Luís Almagro, conhecido serviçal da CIA, por essa razão acaba de ser expulso dos quadros da Frente Ampla uruguaia).

O segundo vexame da camarilha ilegítima ocorreu na própria capital federal, demonstrando quão toscos sejam os golpistas subimperialistas.

Justamente no dia em que se encontravam em Brasília os presidentes da China, da Rússia, da Índia e da África do Sul, os magos amadores resolvem promover a invasão da embaixada da Venezuela, em seríssima violação dos princípios mais básicos da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961.

A inspiração deve ter sido do Rasputin astrólogo autointitulado filósofo (sic), Orvalho de Cavalo.

Só ao país onde reside o charlatão, os Estados Unidos da América (EUA), poderia interessar toldar a única oportunidade de exposição internacional positiva do governo dos milicianos.

Sabe-se que também nesse caso os golpistas foram previamente recebidos, não mais nos palácios da Justiça e dos Arcos, mas no próprio Planalto (no anexo, para ser mais preciso, onde despacha o vice-presidente ilegítimo, Mourão, cujo nome – muito revelador – quer dizer “pau de cerca”; simbolicamente, o mesmo da “vaca fardada”, como muito corretamente se auto-intitulava o personagem que iniciou o golpe de 64).

Ocorre que milicianos venezuelanos e brasileiros reuniram-se, como ratos na calada da noite, para invadirem a embaixada da Venezuela em Brasília. A gravidade da irresponsável ação pode ser aquilatada pelo fato de as embaixadas, segundo as regras da mencionada Convenção de Viena, terem extraterritorialidade, ou seja: são consideradas como fazendo parte do próprio território do país acreditado. Portanto, bandidos brasileiros e venezuelanos literalmente invadiram território venezuelano.

Como resultado, uma guerra poderia ter sido deflagrada, fruto da irresponsabilidade desses senhores (meliantes, todos, os de dentro e os fora dos palácios), com consequências imprevisíveis.

O plano das ratazanas parecia ser bastante simples: invadir a embaixada e, depois, solicitar que forças policiais ingressassem para retirar os legítimos diplomatas do país, pois, conforme a citada Convenção de Viena, só a própria embaixada pode autorizar o ingresso das forças policiais.

No mundo de carpetes, rapapés, continências e apoio do império o projeto fazia sentido, há que se admitir.

Infelizmente – para eles, felizmente, para os democratas, o mundo é mais rico, solidário e corajoso.

Ao perceber a invasão, o encarregado de negócios disparou o alarme – o mesmo que salvou Chávez de um golpe de estado – e para lá acorreram parlamentares (Paulo Pimenta, do PT-RS; Glauber Braga, do PSOL-RJ; Sâmia Bonfim do PSOL-SP; e Erica Kokay do PT-DF – que não pôde entrar), movimentos sociais e todos aqueles e aquelas que entendem que a democracia deve ser protegida, promovida e provida.

Os invasores foram confinados aos jardins, à espera dos reforços da cavalaria. Para decepção dos extremistas, só se materializou um minguado diplomata – reduzido à condição de estafeta de milicianos – Maurício Correia, chefe da Coordenação-Geral de Privilégios e Imunidades do Cerimonial do Itamaraty.

O esquálido cavaleiro reivindicou para os milicianos a embaixada, sob o argumento de que o governo ilegítimo reconhecia um auto-proclamado governo da Venezuela, ao qual os milicianos pertenceriam.

Perguntar como um diplomata pode se sujeitar a um papel daqueles é ocioso, tendo em vista o papelão que os chefes desempenham.

O importante é notar o plano B dos golpistas: como a violação do prédio da embaixada fora rechaçada, o Itamaraty – a serviço dos milicianos – foi então acionado, para tentar facilitar a consumação do plano original.

Tudo – mal – coordenado: a aparição do pau mandado diplomático foi simultânea à constatação de que a irrupção fascista fora frustrada. Tentaram obter no tapetão o que a massa cinzenta – pouca – lhes subtraíra.

O membro da famiglia miliciana, fritador de hambúrgueres e presidente, ilegítimo, da comissão de relações exteriores da Câmara, manifestou-se favoravelmente ao crime internacional, no que demonstrou que a criminalidade é solidária, quando se trata de crime.

Ao contrário do que esperavam os golpistas, não puderam ingressar no prédio da missão diplomática e, pior, foram expulsos de forma vexaminosa (não se excluíram algumas dores de cabeça e de dentes), literalmente pela porta dos fundos, o que lavou a alma dos que já não aguentavam tanta agressão ao estado de direto, no Brasil e em toda América Latina.

Aos guerreiros e guerreiras que lutam na Bolívia, no Chile e lutaram para expulsar os fascistas criminosos da embaixada – principalmente os três deputados antes mencionados que ingressaram na  missão diplomática e de lá não se retiraram até que a soberania venezuelana fosse respeitada e restituída integralmente – os agradecimentos de todos os democratas e das democratas da América Latina e Caribe, pois, com vocês, derrotamos e derrotaremos o imperialismo, que sofreu inflexão evidente no processo de recolonização dos nossos povos, que não nasceram para ser escravos de ninguém.

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