Aldo Fornazieri

Doutor em Ciência Política pela USP. Foi Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), onde é professor. Autor de 'Liderança e Poder'

Opinião

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Estabilidade incômoda

Os índices de aprovação do governo permanecem estagnados, apesar dos avanços em várias áreas

Lula sofre os efeitos da prolongada divisão social saída das urnas – Imagem: Ricardo Stuckert/PR
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Prestes a completar um ano de mandato, o governo Lula apresenta uma estabilidade incômoda nos índices de avaliação. Os índices não são nem ruins, mas também não são bons. Pouco variaram desde o início deste terceiro mandato. A pesquisa Datafolha de dezembro traz 38% de bom e ótimo, 30% de regular e 30% de ruim ou péssimo. Os números são praticamente iguais aos de março. As pesquisas dos outros institutos não destoam muito.

Os dados também não mudaram muito na composição interna: os mais pobres, os menos instruí­dos e o Nordeste são os que mais apoiam Lula. Os mais ricos, os evangélicos, os empresários e os estados do Sul são os que menos apoiam. Os números mostram a dificuldade do governo em quebrar resistências e a polarização instalada no País.

Os números da avaliação positiva poderiam e até deveriam ser melhores: a economia cresce em torno de 3%, o emprego cresce, o número de trabalhadores com carteira assinada atingiu um recorde e rompeu a casa dos 100 milhões, a inflação está controlada, os juros estão em queda e o consumo das famílias aumenta. Este quadro positivo na economia deveria ter rompido as resistências ao governo ao menos em alguns setores. Então, o governo precisa examinar as razões da estagnação nos dados das pesquisas relativos à avaliação positiva.

A estagnação da avaliação do governo parece ter razões mais políticas. Os elementos são vários. O primeiro ponto a ser notado consiste em que a oposição bolsonarista permanece muito ativa e organizada nos ataques ao governo. Aqui parece haver uma incompreensão da diferença de papéis que Lula e o PT devem exercer. Lula, como presidente, está certo em pregar a unidade do povo e procurar congregar essa unidade, que nunca será total, em torno do governo. O presidente e o governo devem buscar sempre representar a todos, reduzir resistências e ampliar apoios.

Este, contudo, não deve ser o papel do PT e da base ideológica do governo. Esses atores devem modular as condutas de acordo com as circunstâncias e as conjunturas. Na medida em que o bolsonarismo adota uma postura de polarização forte, o PT e seus aliados deveriam adotar uma contraofensiva também organizada e forte. Não é isso que se vê. As esquerdas parecem desorientadas quando se trata de enfrentar o bolsonarismo. Esta situação já ocorria quando Bolsonaro estava no governo.

O PT e seus aliados não só não enfrentam adequadamente o bolsonarismo, como têm uma conduta pacata na relação com o Centrão no Congresso.  A bancada do PT na Câmara parece “neolirista”. Em muitos temas, como o marco temporal, políticas ambientais, terras dos povos originários, desoneração da folha de pagamento, políticas da moralidade, não há um enfrentamento adequado às bancadas de centro-direita, que, em determinadas pautas, até votam com o governo. Assim, a direita e a extrema-direita polarizam a opinião púbica com a disputa de hegemonia e as esquerdas ficam subsumidas nas bordas do guarda-chuva do governo.

Paira a sensação de que o Palácio do Planalto é refém do Centrão no Congresso

No governo, o único ministro que fazia um enfrentamento efetivo à oposição era Flávio Dino. Com sua ida ao STF, o governo perde seu principal leão e fica politicamente ainda mais fragilizado. A articulação política do governo também vai mal. É pouco eficaz e não tem o respeito dos principais atores do Congresso. A fragilidade da articulação política fez com que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se tornasse o principal articulador político.

Haddad é o principal fiador político da política econômica. Tem resistido quase solitariamente às investidas argentinizantes que vêm de setores do governo e do PT. O descontrole das contas públicas e as políticas fiscal e monetária na Argentina foram os fatores decisivos da vitória de Javier Milei.

Haddad tem feito um esforço enorme para melhorar a arrecadação do governo. Quando esses setores argentinizantes propõem abrir mão do déficit zero, na realidade, boicotam esse esforço. Arrumar a casa nos dois primeiros anos é condição decisiva para que possa haver um crescimento mais robusto nos dois últimos anos do mandato. Os dois últimos anos terão um impacto decisivo para determinar as condições da disputa nas eleições presidenciais.

Outro setor que não vai bem é a comunicação do governo. Alguns analistas dizem que a comunicação não vai bem porque o governo não tem um projeto claro. Isto é verdade, mas não é toda a verdade, pois o governo tem bons ativos realizados. Os melhores são os da área econômica apontados acima. Mas nas áreas da Saúde, da Cultura e do Meio Ambiente também existem avanços significativos. Independentemente da existência ou não de um projeto de governo mais definido, os resultados positivos nas várias áreas deveriam gerar uma melhor avaliação do governo. Isto indica que existem, efetivamente, problemas na comunicação.

O maior problema do governo está, no entanto, no Congresso. O que está claro de forma ampla para a opinião pública é que o Executivo depende do centro, particularmente de Arthur Lira. Todas as pautas são negociadas e sua aprovação depende de moeda de troca: emendas parlamentares, cargos, recursos, investimentos dirigidos, privilégios…

A dependência do governo ao Centrão limita sua autonomia de agir. Nas pautas sociais, de direitos e ambientais existem claros limites para avançar. Tudo o que depende do Congresso é inviabilizado. As pautas econômicas têm mais viabilidade, mas só andam impulsionadas pelas moedas de troca. O fato de o governo e Lula não conseguirem índices mais robustos de aprovação popular os transforma, em certo sentido, em prisioneiros do Centrão. Não há como reverter a correlação de forças no Congresso.

Mas o governo tem dois lances para se fortalecer: melhorar os índices de popularidade e ter um bom desempenho das eleições municipais do próximo ano. Isto poderia cacifá-lo mais nos processos de negociação com o Centrão. O governo precisa melhorar sua gestão e sua comunicação, ser mais eficaz na produção de resultados e criar um comando político efetivo, capaz de conduzir as ações e visibilizar um rumo para o País. Caso contrário, ficará patinando numa estabilidade incômoda. •

Publicado na edição n° 1291 de CartaCapital, em 27 de dezembro de 2023.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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