Daniel Dourado

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Médico e advogado sanitarista, pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP e do Institut Droit et Santé da Universidade de Paris.

Opinião

Esquemas no Ministério da Saúde podem explicar o negacionismo de Bolsonaro

O que leva um governo a mandar seu povo para a morte?

Jair Bolsonaro e Ricardo Barros. Foto: Reprodução/Redes Sociais
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Após quase um ano e meio da Covid-19, já está evidente que Bolsonaro e seu governo colocaram a população brasileira para se contaminar pelo coronavírus e que fizeram isso de propósito, cientes do risco à vida das pessoas. Mas por quê?

Qualquer governante minimamente racional teria aproveitado a crise sanitária para tentar unir a população e ganhar capital político. O caminho natural seria apoiar as medidas indicadas pelos consensos científicos e de saúde pública, principalmente a vacinação – por se tratar de uma epidemia viral.

Bolsonaro não. Ele boicotou a estratégia nacional de vacinação durante a maior parte da pandemia, apostando na absurda imunidade de rebanho por contágio – como muitos avisamos e vamos continuar repetindo –, assessorado por um gabinete extraoficial negacionista.

Em janeiro de 2021, quando começou a mudar o discurso, Bolsonaro parecia convencido de que a imunização seria necessária para a retomada da atividade econômica. Foi essa a justificativa, aliás, dada pelo ministro Paulo Guedes e pelo próprio presidente ao incentivar aquela proposta indecente de vacinação privada em fila paralela à do SUS.

Mas está ficando cada vez mais claro que não era só isso.

As mais recentes investigações da CPI da Covid têm revelado que havia outros interesses em jogo. Ainda há muita coisa a ser esclarecida, tanto sobre o caso Precisa-Covaxin como o da nebulosa Davati, que dizia negociar vacinas da AstraZeneca. O que apareceu até agora dá fortes indícios de que havia uma disputa entre grupos que agiam dentro do Ministério da Saúde para superfaturamento de contratos.

Poderia ser um episódio de desvio de recursos públicos, como tantos outros da história do País. Mas podemos estar diante de algo muito mais grave. E não pelo velho cacoete que trata corrupção como o pior problema da sociedade brasileira — e que muitas vezes expressa a ideia de que patrimônio vale mais que a vida.

Caso a CPI demonstrasse apenas que Bolsonaro prevaricou ao tomar conhecimento de um esquema no ministério da Saúde, teria gastado tempo precioso investigando algo que pode muito bem ser investigado em outras instâncias. O foco da comissão é a gestão da pandemia e já há evidências de crimes contra a saúde pública muito mais sérios e que merecem maior reprimenda política e penal.

Mas o que tem sido descoberto é que esses esquemas podem ter sido a razão do negacionismo de Bolsonaro, para além dos sabidos interesses políticos no caos e na tensão com as instituições e os governos estaduais e municipais.

Mostrar a relação entre as atitudes anticientíficas e o privilégio desproporcional dado a algumas vacinas será uma grande contribuição da CPI. Quem sabe esse fio possa levar a entendermos melhor também a insistência disparatada que deixou o Brasil como único país do mundo em que os medicamentos sem eficácia (o famigerado kit-Covid) seguem sendo assunto até hoje.

Motivos para afastar Bolsonaro e sua turma nunca faltaram. As vantagens dessa guinada na CPI são duas: trazer à tona os obscuros interesses da ala militar, que continua dando suporte ao governo e, ao esmiuçar as relações com velhas práticas do centrão, quebrar o discurso antissistema que ainda parece segurar o bolsonarismo.

Se disso vier uma queda mais acentuada na popularidade, será impulso bem-vindo para virar essa página tão infeliz da nossa história.

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