Opinião
Entre, Moro. As portas estão sempre abertas
A verdade é que Moro prestou um enorme serviço a muitos e muitas metendo Lula na prisão. E o que se vê na imprensa é ainda parte do pagamento pelos serviços prestados
Exceções confirmam a regra. E a regra que a cobertura política da grande imprensa nesta semana deixou bastante clara foi toda a sua disposição para dar palanque a Sergio Moro.
Não se trata de um caso isolado. Figuras centrais do bolsonarismo, como Hamilton Mourão e Flávio Bolsonaro, ganharam generosas páginas de destaque em veículos de grande circulação, como O Globo e Folha de S. Paulo, apesar, inclusive, da irrelevância política de ambos no momento.
Também não é coincidência o fato de Jair Bolsonaro e sua esposa, Michelle Bolsonaro, estarem ainda gozando de uma visibilidade como se não fossem ex-presidente e ex-primeira dama, respectivamente, mas efetivamente presidente e primeira-dama. E não estamos a falar de editoria policial – o que faria total sentido – mas de pormenoridades, como a participação chorosa do presidente em um evento lá pelas bandas do norte ou das empreitadas da ex-primeira dama no ramo comercial da cosmética. Para não mencionar coberturas sobre supostas pretensões do PL em lançá-la presidente daqui a longínquos quatro anos.
Alguém se lembra de Ruth Cardoso recebendo tanta atenção mesmo tendo mantido tanto do trabalho que desempenhou como primeira-dama?
Qual o sentido de tamanha, digamos, generosidade jornalística? A mim parece que parte expressiva da grande imprensa já decidiu que a extrema-direita é a direita brasileira. As decisões editoriais sobre quem será ou quais serão os antagonistas políticos do lulismo e do petismo parecem já terem sido tomadas. A regra, ao menos pelo que se tem visto desde janeiro, é manter o bolsonarismo vivo como player político, mesmo diante de suas flagrantes inconsistências para, neste momento, ser eleito como tal.
Voltemos a Sergio Moro.
Discutir se Lula errou ou acertou na fala sobre investigações da Polícia Federal acerca de encomendas de morte por parte do PCC é chover no molhado. Não há outra conclusão a não ser a de que Lula errou, e feio. Incorreu em uma absurda falta de responsabilidade, num momento extremamente delicado para a política nacional e nossas desgraças epistemológicas, embora a suspeita seja plausível. Moro, afinal, usou o Judiciário, o Ministério Público e a imprensa com vistas a arregimentar poder e estreou na política aceitando ser ministro do cara que mais se favoreceu politicamente de seus atos como juiz.
Mas essa é só parte da história. A questão de fundo aqui está no fato de que, apesar de Sergio Moro ter mentido tantas outras vezes – como quando disse que não entraria para a política; ou quando disse que seu trabalho como juiz era algo solitário e independente enquanto trabalhava com a acusação para encarcerar e arrancar do pleito seu desafeto e adversário político – a grande imprensa demonstra estar disponível para lhe dar palanque e, vejam só, credibilidade.
Eu sei que ética é uma coisa que já saiu de moda há muito. Se formos tratar da cobertura política, então, nem se fala. A regra é tratar tudo como natural, como se norma ética fosse sinônimo de descrição: se existe, logo, é assim que é e é assim que a tratamos. Obviamente, não se trata só de falta de tratamento ético nessa história – afinal, se ética fosse algum norte de referência, Sergio Moro jamais ganharia qualquer destaque dessa natureza. A verdade é que Moro prestou um enorme serviço a muitos e muitas metendo Lula na prisão. E o que se vê na imprensa é ainda parte do pagamento pelos serviços prestados.
Lula ainda está em início de mandato, mas já ganhou a seguinte manchete na Folha de S. Paulo: “Sem provas, Lula afirma que vê ‘armação’ de Moro no caso PCC”. Factualmente e criticamente impecável. O problema aí está quando lembramos do diabo da tal da isonomia e do equilíbrio como princípios.
Acompanhei e ainda acompanho tudo atentamente. Editoriais, comentários no impresso, no rádio, na televisão, nas plataformas digitais. A indignação jornalística com a fala de Lula é severa e abundante nas páginas e programações. As condenações, peremptórias. Erram? Não. Mas se tivessem aplicado 1/1000 dessa verve a uns dois ou três absurdos ditos e defendidos por Jair Bolsonaro, dificilmente as portas do impeachment não teriam sido abertas. Talvez, inclusive, não tivéssemos tantos mortos na pandemia.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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