Arthur Chioro

Ex-ministro da Saúde

Opinião

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Em busca de mais médicos

Deve-se exigir qualidade na formação, mas as necessidades de saúde da população precisam orientar o debate sobre a expansão de vagas nos cursos do País

A médica Ana Caroline Feitosa, que participa do 28° ciclo do Programa Mais Médicos. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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O governo federal retomou o Mais Médicos para garantir o acesso à saúde para mais de 96 milhões de brasileiros e diminuir vazios assistenciais. O desafio é fixar profissionais em áreas de maior vulnerabilidade.

Instituído por lei em 2013 e retomado este ano, o Programa prevê diminuir a carência de profissionais na Atenção Básica nas regiões prioritárias, aperfeiçoar a formação médica, a organização e funcionamento do SUS, e ampliar a oferta de especialização em áreas estratégicas.

O Mais Médicos foi concebido em três eixos: estrutura, provimento e formação. O primeiro, nesta nova etapa, destinará 7 bilhões de reais para reforma e construção de Unidades Básicas de Saúde (UBS), recursos oriundos do PAC-3. Inicialmente, 1,8 mil UBS serão selecionadas, com edital já disponível para os gestores, priorizando regiões de vazios assistenciais e municípios com maior índice de vulnerabilidade.

O segundo, de provimento, prevê a chamada de médicos para atuar na atenção básica com enfoque também para regiões de alta e muito alta vulnerabilidade. Em 2023, registramos o maior número de profissionais em atuação desde a criação do programa.

Em torno de 34 mil médicos se inscreveram e, atualmente, 18,5 mil estão ­atuando em mais de 4 mil municípios, beneficiando mais de 64 milhões de brasileiros. No total, serão 28 mil profissionais atuando pelo Mais Médicos em 2023, com vagas também para a região da Amazônia Legal, equipes de Consultório na Rua e atendimento da população prisional.

O terceiro eixo, o da formação, segue sendo um enorme desafio. Em 2012, a razão de médicos por mil habitantes no Brasil era de 1,8. Em 2022, graças ao Mais Médicos, atingiu 2,54 médicos por mil habitantes. Agora, o governo federal pretende elevar essa razão para 3,3 nos próximos dez anos, atingindo a média da OCDE.

Para tanto, é preciso ampliar cerca de 10 mil novas vagas em cursos de medicina. Perto de 2,2 mil vagas serão providas por iniciativas de expansão das universidades federais. Outras 2,1 mil por meio da expansão dos cursos de Medicina privados existentes.

As 5,7 mil vagas restantes serão ofertadas por meio de um edital público voltado às instituições privadas, a partir de critérios objetivos anunciados pelos ministros da Saúde e da Educação esta semana.

O edital prevê a abertura de faculdades em regiões de saúde que apresentam média inferior a 2,5 médicos/mil habitantes e que demonstram capacidade para abrigar cursos de Medicina, contando com rede de serviços de atenção básica, urgência, saúde mental e com um hospital com pelo menos 80 leitos, e o compromisso de abrir residência médica.

Foram excluídas as regiões de saúde impactadas pela expansão planejada pelas universidades federais. Assim, das 450 regiões de saúde, somente 116 poderão receber propostas. Em vez de serem dirigidas para onde pretendem as mantenedores, as propostas deverão ser efetuadas para regiões que realmente precisam.

O Mais Médicos, desde a sua criação, em 2013, produziu a expansão de 7.304 vagas em regiões de vazios de formação, interiorizando os cursos de Medicina. Mas foi descontinuado por uma “moratória” de cinco anos, iniciada no governo Temer e que seguiu com Bolsonaro.

Em vez do prometido, resultou na abertura desordenada de mais 13.082 vagas sub judice em regiões sem qualquer necessidade social, inclusive onde já tínhamos número suficiente de faculdades e médicos.

A expansão de vagas de medicina segue sendo um dos pontos de maior tensionamento entre o governo federal e entidades médicas. Bastou o lançamento do novo edital para regulamentar a abertura de novas faculdades – há pedidos para a abertura de mais de 50 mil vagas no MEC, com risco de serem aceitos por demanda judicial – e, rapidamente, manifestações contundentes foram emitidas pelo Conselho Federal de Medicina e pela Associação Médica Brasileira.

Todos devemos exigir qualidade na formação médica, o que deve valer, destaque-se, para toda e qualquer profissão. Isso é um imperativo ético e político.

Mas as necessidades de saúde da população precisam orientar esse debate, que deve ser travado de forma respeitosa e democrática. Ainda mais depois de estudos indicarem que os médicos especialistas são os profissionais mais bem remunerados do País. E que os médicos generalistas estão em quarto lugar.

Sou médico e professor de Medicina, mas entendo que interesses corporativos não podem definir se os brasileiros terão ou não o direito à saúde. •

Publicado na edição n° 1281 de CartaCapital, em 18 de outubro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Em busca de mais médicos’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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