Walfrido Jorge Warde Junior

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Advogado, escritor e empreendedor. Presidente do Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE)

Opinião

Eleição relâmpago: Cancelamento de debates não serve ao povo

É necessária uma atuação forte da Justiça Eleitoral para dar voz aos candidatos

Eleições 2020
Em uma disputa tão curta, o cancelamento dos debates nas redes de tevê não serve ao povo. Foto: iStock Em uma disputa tão curta, o cancelamento dos debates nas redes de tevê não serve ao povo. Foto: iStock
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O Brasil é governado de cima para baixo e de baixo para cima. O governo dos municípios é tão ou mais importante do que o governo central ou aquele dos estados da federação. É no município que todos nós estamos agora, onde são sediadas as empresas, onde a vida em sociedade acontece. É nele que somos felizes ou infelizes, onde vivemos as nossas emoções humanas, onde trabalhamos para ganhar o pão, onde sofremos violência, discriminação, onde respiramos a feia fumaça que sobe, apagando as estrelas. É do barulho dos carros, que trafegam nas ruas congestionadas das cidades, que nós reclamamos. É nas suas escolas e nos seus espaços de cultura que aprendemos. É nos seus parques e nas suas alamedas que passeamos. São as comunidades pobres da cidade que nos mortificam. E nada, nada disso acontece nas salas refrigeradas da Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

Estamos às vésperas das disputas municipais, sob o estranhamento que a combinação de pandemia e eleições provoca. Campanha e eleição em pouco mais de um mês. E uma pequena exposição midiática. A Rede Globo desistiu de realizar debates e sabatinas. A Record fez o mesmo. A Band fez o seu debate tarde da noite, sob regras questionáveis e com reduzida exposição de quem importa, ou seja, daqueles que têm chances reais de disputar a taça.

O papel da imprensa livre é realizar uma espécie de teste de conformidade eleitoral. É dela que se espera saber o que o candidato pretende, quais as suas credenciais técnicas, os seus atributos éticos e, no caso do município, muito menos os seus pendores ideológicos. A prefeita e o prefeito são, sobretudo, zeladores dos espaços urbanos. São promotores da urbe. São gestores dos grandes contratos pelos quais a cidade funciona e sobre os quais se deve debruçar o aparato de controle municipal, para prevenir, detectar e punir a corrupção. São garantes, em sentido amplo, da limpeza, da sanidade e da segurança dos espaços e dos aparelhos públicos, das vielas, das ruas e das avenidas. São superintendentes das escolas e dos hospitais municipais. São facilitadores e, ao mesmo tempo, bedéis da atividade empresarial. E são os patronos da redução das desigualdades sociais, se não da mitigação dos seus efeitos mais nefastos.

A prefeita e o prefeito são, sobretudo, zeladores dos espaços urbanos. São promotores da urbe

Tomemos o exemplo de São Paulo. A cidade tem orçamento de 69 bilhões de reais. Tem 17 bilhões no caixa, dos quais 8 bilhões estão definitivamente livres. Outros 500 milhões estão carimbados para o uso em saneamento básico. São Paulo gasta, no entanto, a maior parte do seu orçamento em algo como 40 grandes contratos, muitos dos quais inspiram questionamentos sobre a sua eficiência, licitude e ética. A cidade tem uma montanha de créditos tributários para receber. Os seus maiores devedores são absolutamente solventes, como é o caso de alguns dos maiores bancos do País. A sua procuradoria, que cobra esses créditos, a despeito de valorosa, está mal aparelhada. A cidade preserva meandros burocráticos que não foram suficientemente devassados, a exemplo dos cabides de emprego das subprefeituras, do loteamento de cargos, dos critérios de aprovação de projetos imobiliários e da gestão do dinheiro público pelas organizações sociais da saúde.

Essas circunstâncias, todavia, não são claramente problematizadas e não redundam em questionamentos claros para os responsáveis, sob a impressão de que, ao governar a cidade, o resultado não será muito diferente do que aí está. E que não há muito o que se possa fazer.

É indispensável que um escrutínio sobre esses e outros temas pungentes aconteça, que todos os candidatos expliquem como pretendem se desincumbir da solução dos principais e mais doloridos problemas da cidade. Mas a eleição relâmpago para as prefeituras, por tudo o que aqui se disse, corre o risco de se menoscabar ao tamanho microscópico das formalidades democráticas, do “elege qualquer um aí”, sob a primazia das frases de efeito e dos penteados comportados.

É necessária uma atuação forte da Justiça Eleitoral para dar voz aos candidatos, para dar relevo aos seus projetos, para expô-los às questões certas, para que sejam medidos por suas respostas, porque, antes que lhes entreguemos a caneta, essa inquirição dos candidatos é o todo da avaliação cívica, dever de todos nós. A mídia precisa cumprir o seu papel, tanto mais as grandes concessões de televisão, em vista da função pública que exercem, porque o fim dos debates e das sabatinas não serve ao povo.

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