Esther Solano

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Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Unifesp

Opinião

Ele não

Triste Brasil, triste. Por favor, escolham qualquer outro para esta terceira via

O ex-juiz e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Vocês imaginam se Sergio Moro, para valer, se transformar no candidato da terceira via? Eu, neste Brasil distópico, digno do rea­lismo mágico da pior qualidade, da ficção científica mais extravagante, acho toda barbaridade possível. Acho, sobretudo, as barbaridades possíveis.

Permitam-me fazer terapia e escrever tudo o que Moro significa. O ex-juiz e a força-tarefa de promotores megalomaníacos, sua militância de toga, têm sido um dos maiores destruidores do Brasil. A Operação Lava Jato, muitos dirão, simboliza a criminalização do PT. Sim, também, mas não só. Ela foi muito mais longe. Simboliza a criminalização da política, da esfera pública, da representatividade democrática, do partido como centro nevrálgico dessa representatividade. A pedagogia da Lava Jato é que a política, como atividade humana, é intrinsecamente, incontrolavelmente, corrupta. O Estado é inchado, ineficaz e contaminado por essa corrupção nas suas entranhas. E esta é uma situação sem saída, ad aeternum, sem modificação possível. Não há futuro na política. Do interior do Estado não podemos melhorar o Estado. De dentro da política, não podemos melhorar a política.

Qual é então a saída que o lavajatismo sugere? Simples e eficaz concepção ao mesmo tempo. O privado corrompe? Corrompe, mas… que tal botar o foco da corrupção no público? Que tal dirigir os holofotes, a teatralidade, a cenografia para o público? E com essa estratégia, com a qual a mídia colaborou com deleite, conseguimos que a frustração e o ressentimento de uma cidadania justamente revoltada não se voltem contra a JBS ou contra a Odebrecht, mas contra a política.

Quem merece o linchamento coletivo? A política. Quem merece a ira? A política. Quem merece a destruição? A política. Mas, tranquilos, nobres cidadãos, não se desesperem, há futuro. Um futuro construído em dois caminhos: elejam o único político honesto deste país, um outsider autêntico que vai confrontar este sistema nojento e… que tal privatizar? Substituir o público, que não funciona, pelo privado, que funciona melhor? Vocês não querem saúde privada, educação privada? Mas vejam só, os servidores estão cheios de privilégios, não trabalham, têm estabilidade sem fazer nada, não há órgãos de controle eficazes da atividade dos funcionários públicos… Eles são corruptos também. Na iniciativa privada, o trabalhador é sempre mais eficaz.

A Lava Jato também simboliza a destruição da Justiça. Devido processo penal? O que é isso? Garantias penais? Ah, não, elas incomodam. In dubio pro reo? Nunca ouvi falar. Os caminhos institucionais da Justiça são chatos demais. Por que a delação premiada não pode ser utilizada indiscriminadamente para conseguir meus objetivos? Por que a condução coercitiva não pode ser empregada quando eu quiser? Sou o juiz-Messias, tenho a tarefa de limpar o Brasil de corruptos, de começar uma nova era. Antes de Moro. Depois de Moro. A.M., d.M.

Vocês não podem castrar o Jesus da toga em nome dessas banalidades legais. Eu sou a Justiça. Lula na cadeia. Mas eis que outros togados, desta vez magistrados superiores e dignos também de pouca confiança, decidem, depois que a Lava Jato destruiu o País, que é hora de sermos democratas e botar no seu devido lugar o monstrinho de primeira instância que a criou. Sentenças anuladas, juiz-Messias acabado. E aí, como fica a Justiça diante da opinião pública? Vou falar para vocês: uma merda.

O lavajatismo acaba com a política, acaba com a democracia, acaba com a Justiça. Esse será seu eterno legado, toda a destruição, toda a sanha hiperpunitiva, conduzida com a complacência de muitos, de tantos. Dizia a conja Rosângela: “Eu não vejo o Bolsonaro, o Sergio Moro. Eu vejo o Sergio Moro no governo do presidente Jair Bolsonaro, eu vejo uma coisa só”. Muito intuitiva e sagaz. Não fosse esta declaração sutil e penetrante, eu nunca teria sacado que Moro e Bolsonaro estavam juntos na empreitada de destruição.

Triste Brasil, triste. Por favor, escolham qualquer outro para esta terceira via, da qual ninguém aguenta mais ouvir falar, que está totalmente engasgada na garganta do Brasil. Escolham outro, mercado, imprensa, poderes reais. Moro não. Moro é a destruição. Moro é a impossibilidade de um Brasil que saia da tristeza onde foi chafurdado. Mas, vejam, nunca a situação é tão ruim que não possa piorar. Deltan Dallagnol pede exoneração do Ministério Público e também anuncia a pretensão de ser candidato. Aposto que está a preparar seus sedutores ­PowerPoints para a campanha… acordem-me deste pesadelo.

Publicado na edição nº 1183 de CartaCapital, em 11 de novembro de 2021.

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