Alberto Zürcher

Alberto Zürcher, advogado, é sócio do Escritório Zürcher

Opinião

É constitucional o projeto de lei que obriga vacinação

Considerando que o bem coletivo deve sobrepor-se ao interesse individual, o projeto de lei é pertinente, escreve Alberto Zürcher

Foto: Governo do estado de São Paulo
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Na peça “O que mantém um homem vivo”, de Bertold Brecht, um personagem diz ao outro: “Infeliz do país que não tem heróis”. E o interlocutor responde: “Não, infeliz do País que precisa de heróis”. Neste momento grave de enfrentamento da Covid-19, transcendendo à inesgotável polêmica da frase do dramaturgo alemão, o Brasil, assim como o mundo, precisa muito de heróis. Não me refiro apenas aos profissionais da saúde e dos segmentos que estão na linha de frente desde o primeiro dia da pandemia, mas também a cada cidadão que adota medidas corretas para se proteger, evitar o contágio e a transmissão do vírus.

Uso de máscaras, distanciamento social, adequada higienização das mãos, evitar aglomerações e a imunização definem o importante papel de cada um para que vençamos o novo coronavírus. Infelizmente, porém, sempre há pessoas discordantes dessa postura cívica que, a rigor, também é um ato de consciência cívica, de amor-próprio e ao próximo. Por isso, é pertinente o Projeto de Lei 738 /2020 aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo, à espera de sanção do Executivo, que impõe restrições a quem não tomar a vacina.

Cabe esclarecer, para que não pairem dúvidas, que a matéria é constitucional. É importante lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, em dezembro último, a constitucionalidade da lei federal 13.979/2020, que trata justamente da obrigatoriedade da vacinação. O Estado de São Paulo não conduzirá coercitivamente os indivíduos à imunização. Porém, quem não tomar a vacina nas etapas correspondentes às respectivas faixas etárias, sofrerá algumas restrições tais como usar transportes públicos, efetuar inscrições em concursos, tirar documentos e ingressar em instituições de ensino.

Além disso, o projeto aprovado pelo Legislativo paulista estabelece que a obrigatoriedade da imunização será congruente com a disponibilidade do imunizante. Ou seja, ninguém será apenado caso faltem vacinas para sua etapa específica. Na verdade, a norma é até branda, pois, conforme seu Artigo 6º, somente terá pleno vigor depois que estiver todo mundo vacinado. Defendo, contudo, que as pessoas já imunizadas devam ter o “passaporte” que lhes confere todos os direitos previstos pela matéria.

Quanto maior o número de brasileiros vacinados, mais rapidamente sairemos da crise, evitaremos novas ondas de contágio, lockdown e paralisação do comércio e outras atividades. Assim, parece que há uma inversão de valores no questionamento da constitucionalidade da proposta, pois tomar a vacina é muito mais um direito/dever do cidadão e não apenas um dever do Estado fornecê-las. Tanto assim que, teoricamente, toda pessoa poderia acionar judicialmente os governos para garantir sua imunização completa.

O grande e real problema é que não há vacina para todo mundo, o que é inadmissível. União e governos estaduais batem cabeça, ainda que os institutos Butantan, em São Paulo, e Fiocruz, no Rio de Janeiro, estejam produzindo imunizantes. Por isso, se partirmos para a judicialização da primeira e/ou da segunda dose, como aconteceu no Nordeste, com ordens judiciais para entrega da vacina, pode-se prejudicar todo o Plano Nacional e se criar um caos. O mais grave é que, mesmo quando há disponibilidade, muitas pessoas não estão comparecendo para completar a imunização.

Assim, considerando-se que o bem coletivo deve sobrepor-se ao interesse individual, o projeto de lei da Assembleia Legislativa de São Paulo é pertinente. No Estado, cerca de 500 mil estabelecimentos fecharam. Já perdemos no País quase 500 mil vidas e a economia nacional está em frangalhos. Por isso, é fundamental a vacinação, justificando-se a apresentação do “passaporte” para acesso a serviços, transportes coletivos, estabelecimentos públicos, retirada de documentos e inscrição em concursos. Aliás, acredito que a comprovação de vacinação deveria também ser exigida em restaurantes, lojas, shoppings, teatros e cinemas. Afinal, não se pode punir toda a sociedade pela falta de civismo de uma minoria displicente ou, pior, negacionista.

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