Opinião

Do VAR ao STF: justiça nos estádios e a atuação de uma Corte anã

O ministro Dias Toffoli se apresenta como o salvador da pátria capaz de sustar qualquer ameaça à paz nacional

Ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal
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O VAR era o assunto na noite de domingo passado, dia 11 de agosto. Pelo VAR, como se sabe, pretende-se administrar a justiça nos estádios ao corrigir erros eventualmente cometidos pela arbitragem. Bem usado na sua complexa atuação, tem sido a garantia de resultados justos já faz dois anos em Portugal e na Itália, por exemplo. Na Inglaterra, acaba de estrear com completo êxito, e foi a comparação entre o nosso VAR e o deles que se impôs nos debates domingueiros dos jornalistas esportivos.

Confesso desabridamente que este gênero de programa faz a minha diversão, enquanto me espantam aqueles dos pastores evangélicos, exibições constrangedoras da hipocrisia de quem os comanda e a parvoíce da plateia, no fundo do abismo da credulidade beócia. O que me diverte nos programas futebolísticos é a capacidade dos participantes de discutir horas a fio questões que seria possível resolver em minutos.

Sempre tive admiração pelos locutores brasileiros, de Pedro Luiz Paoliello, que gostei de conhecer pessoalmente em outros tempos, elegante cavalheiro, a Osmar Santos, de quem fui bom amigo. Só não aprecio o grito de gooooool, a meu ver haveria de ser modulado conforme a situação. Há gols fortuitos e outros cuidadosamente elaborados, os irônicos, quando não sarcásticos, e aqueles de uma obviedade irritante. Um analista agudo, companheiro inseparável de Pedro Luiz, foi Mario Moraes, impecável no juízo, com o mérito de chegar ao ponto sem maior perda de tempo. Dizia ele deste ou daquele jogador: tecnicamente bom, taticamente mau. Ou vice-versa, ou o contrário. Havia também quem merecesse a glória, ou a infâmia.

Encanta-me nas noites de domingo a loquacidade dos comentaristas, habilitados a manter a bola no ar até a chegada dos fantasmas da meia-noite. Ionesco encontraria ali um manancial inesgotável de exemplos e sugestões para os seus diálogos atordoantes. Nas noites de domingo sinto-me sentado na poltrona de um teatro. E me toca a gravidade de certos pronunciamentos, a solenidade, e mesmo a exaltação em caso de discordância entre os colegas debatedores.

A certa altura, na encenação mais recente, vem à baila o seguinte quesito: por que o juiz inglês leva 90 segundos para consultar o VAR e cinco minutos o brasileiro, tanto mais impávido a confirmar a injustiça já cometida no campo? Explicação óbvia: somos incompetentes. Mas será que ninguém percebe que a ignorância verde-amarela cresce em progressão geométrica e que os papéis atribuídos pela retórica pátria às regiões do País são invertidos pelos fatos? O Nordeste tido como o “fundão” é hoje um largo oásis de consciência política, ao passo que o Centro-Sul prima pelo reacionarismo insano.

Em compensação, o presidente do STF, Dias Toffoli, em uma longa entrevista à Veja, nos oferece a perfeita interpretação do jurista na acepção brasileira, realçada por imagens pomposas, de sorte a engrandecer o desempenho do pretenso magistrado. E ele se supera ao demonstrar como a corte anã foi decisiva para o êxito do golpe inédito que começa pela Lava Jato, passa pelo impeachment de Dilma Rousseff, a condenação sem provas e a prisão de Lula e ao cabo se cristaliza na eleição de Jair Bolsonaro.

Duas passagens da entrevista são especialmente esclarecedoras. Diz o nosso herói que o País enfrentou o risco de mais um golpe em abril passado, conforme trama aprovada pelos militares para derrubar o ex-capitão do trono do Planalto. E proclama logo adiante que tudo se fez contra a lei, a moral e a razão para manter Lula preso, a fim de evitar convulsões sociais.

Em ambos os casos, Toffoli se apresenta como o salvador da pátria capaz de sustar qualquer ameaça à paz nacional. Ou seja, a tranquilidade da casa-grande diante de uma senzala cada vez mais acuada e aturdida, e nem por isso pronta a entender ser ela, maioria humilhada, a primeira vítima da tragédia. Quanto a Toffoli, presidente do STF conivente com a Inquisição curitibana, tardiamente batizada por Gilmar Mendes como “organização criminosa”, apenas confirma a forma mentis do graúdo nativo: confronto jamais, deixa como está para ver como fica.

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