

Opinião
Diversidade na Suprema Corte
Lula deveria escolher uma ministra negra e nordestina para ocupar a vaga de Rosa Weber, prestes a se aposentar


A escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal tem suscitado questionamentos acerca da conveniência dos escolhidos. A indicação é uma prerrogativa do presidente da República, que encaminha o nome para aprovação do Senado. De acordo com o artigo 101 da Constituição, a Corte deve ter 11 ministros escolhidos entre cidadãos com mais de 35 e menos de 70 anos. O critério qualificador para a seleção é simples e genérico: precisa considerar alguém que tenha “notável saber jurídico e reputação ilibada”.
A “reputação ilibada” é fácil de verificar pelo histórico do indicado, mas o “notável saber jurídico” carece de definição precisa. Três critérios poderiam ser assumidos como definidores do “notável saber jurídico”: 1. Títulos acadêmicos, como doutorado. 2. Experiência na magistratura com ingresso por concurso público. 3. Obras publicadas sobre direito público e direito constitucional, campos precípuos da atuação do STF.
Além dos critérios legalmente definidos, a indicação de um ministro para o STF precisa levar em conta outros critérios relativos ao momento histórico, ao quadro geral dos direitos de cidadania, à conjuntura política e aos aspectos da distribuição regional dos integrantes da Corte Suprema. Ou seja, mais do que o “notório saber jurídico”, a indicação precisa levar em conta critérios empíricos relativos a uma representação da diversidade, da regionalidade e do quadro social dos grupos carentes de direitos.
Como tribunal constitucional, a principal função do STF consiste em ser “a guarda da Constituição”. O constitucionalismo moderno, assentado nas contribuições de John Locke, de Montesquieu e dos Artigos Federalistas na base da Constituição dos EUA, estabelece que o princípio fundante da Constituição democrática-republicana é a garantia de direitos. Esse mesmo princípio estabelece um caráter vinculante entre os direitos de liberdade, igualdade e justiça. A igualdade refere-se a dois sentidos: igualdade perante a lei e equidade material, vinculada à Justiça.
A efetividade e a garantia dos direitos fundamentais são entrelaçadas com uma teia complexa de circunstâncias históricas relativas à realidade política, econômica, social e cultural. Geralmente, há uma defasagem entre o que as Constituições estabelecem e a efetividade dos direitos. A gradação dessa defasagem depende da realidade de cada país.
No Brasil, a defasagem entre a garantia formal e a garantia efetiva de diretos é muito elástica para a maioria da população. A natureza da hegemonia política exercida no aparato do Estado e nos três poderes é a principal causa da desigualdade de direitos e da desigualdade social. O lugar social, econômico, político, cultural e religioso ocupado pelos sujeitos em posição de poder condiciona a forma de conceber e ver o mundo e suas ideologias. E essas também condicionam a realidade objetiva nos seus aspectos econômicos e sociais.
Dois grupos majoritários sofrem carências enormes de direitos: as pessoas negras e as mulheres. Além do racismo estrutural, os direitos civis dos negros são violados recorrentemente pelo Estado, pelos agentes públicos, pelas polícias e pelo Judiciário. Os negros padecem de uma brutal desigualdade de renda e de acesso ao emprego, à educação, à saúde, à habitação e à cultura. O mesmo ocorre com as mulheres, marcadas por uma história de desigualdade de gênero. São vítimas da violência machista, sexual, moral e do feminicídio. Os avanços recentes que ocorreram em relação aos direitos desses dois grupos estão longe de ser satisfatórios.
As estatísticas mostram que 56% da população é de negros e 51% de mulheres. Até hoje, apenas três negros foram ministros do STF. A Suprema Corte também somou apenas três mulheres. Nenhuma delas negra.
Outro recorte é o da desigualdade regional. O Nordeste concentra 47,9% da população pobre brasileira, o Norte 26,1%, o Sudeste 17,8%, o Centro-Oeste 5,7% e o Sul 2,5%. O Nordeste abriga, porém, 26,9% dos habitantes. Dos atuais 11 ministros do STF, sete vieram do Sudeste, dois do Sul, um do Nordeste e um do Centro-Oeste. Uma representação equânime por região indica que o Nordeste deveria ter três ministros. Há uma super-representação do Sudeste, que deveria ter de quatro a cinco ministros.
Ao se considerar a finalidade principal da Constituição, a garantia de direitos fundamentais, a conclusão de caráter mais universalizante a que se chega é a de que, com a aposentadoria de Rosa Weber, o presidente Lula deveria indicar uma mulher negra e nordestina para ocupar uma cadeira de ministra no STF. Uma mulher cujo perfil, qualificações, compromissos e história se coloquem em linha com as demandas de direitos aqui apontadas. •
Publicado na edição n° 1274 de CartaCapital, em 30 de agosto de 2023.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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