Opinião

Dilma no banco dos Brics mostra que as trevas não resistem

Nada mais justo e reparador

A ex-presidenta Dilma Rousseff. Foto: Mauro Pimentel/AFP
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“Uma civilização de amor que não exige a justiça dos homens não será uma verdadeira civilização.”
São Oscar Romero.

Na quinzena em que se comemora o martírio de São Oscar Romero (24-3) e daqueles que se opuseram ao golpe de estado de 1964 (31-3), o jornal que transportou presos políticos para serem torturados e mortos lança editorial em que praticamente equipara a extrema-direita terrorista ao centro-esquerda no Brasil.

Seria cômico, se não fosse trágico. Até o ombusman daquela empresa jornalística condenou a farsa, de péssimo gosto.

Por outro lado, no país vizinho, a Argentina, “nunca mais” soa alto, com a coerência de quem condenou os militares assassinos pelos crimes pavorosos por eles perpetrados durante a ditadura. Aquelas são as mesmas mãos que assassinaram São Oscar Romero e que aqui mataram, recentemente, 700 mil pessoas.

Quem sabe, ainda que por osmose, algo dessa coragem argentina chegue a nós?

De fato, um outro argentino, eminente e corajoso, Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, em recente entrevista à imprensa argentina (que diferença com a que temos aqui…) declarou, a propósito do “lawfare”, que Lula fora condenado sem provas e que o “impeachment” fora uma forma artificiosa de retirar Dilma do poder, ambos os processos sem legitimidade, mero conluio entre políticos e juízes.

Se, no Brasil, a justiça é tão falha, quando ampliamos a política para o âmbito internacional, as trevas não resistem: Dilma foi eleita e empossada presidenta do Banco dos BRICS, na semana passada. Nada mais justo e reparador.

Da sede do banco, em Xangai, Dilma poderá fazer muito.

Sobre a China, outra boa notícia do Banco Central (ao menos uma do Bacen): o yuan, a moeda chinesa, acaba de ultrapassar o euro, como segunda moeda de reserva do Brasil.

Para ficar no âmbito da justiça, que tarda mas chega, mais uma vez falhou o teste do míssil hipersônico de empresa armamentista estadunidense, adiando, ainda que não de muito, o fim do mundo. A Rússia, portanto, permanece como a única potência detentora dessa tecnologia, capaz de levar ogiva nuclear a qualquer ponto da terra, em no máximo meia hora, sem capacidade de detecção, por parte do alvo potencial.

No particular e para deixar ainda mais claro a quem interessa a guerra na Ucrânia, dados recentes demonstram que Kiev recebe apenas 20% da ajuda americana; 60% vai para o Pentágono e o complexo militar-industrial.

A propósito, o ministro da Defesa da Alemanha declarou que uma eventual redução da ajuda estadunidense à Ucrânia seria desastrosa para a Europa. A ainda tem gente que acredita que a educação, “per se”, liberta. Como bem notara Paulo Freire, só a educação libertadora pode trazer liberdade. A prova viva disso é o equívoco alemão nas duas Guerras Mundiais e a iminência de nos levar à terceira (na qual já estaríamos inseridos, na interpretação do Papa Francisco).

Como bem recorda Alexandre Patricio de Almeida, em “Psicanálise de Boteco” (editora Paidós): “Existe um provérbio africano que diz: ‘É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança.”

Aliás, o Pontífice voltou a fazer apelo pela cultura da não-violência, por meio da redução de armas, de Estados e cidadãos.

Apesar das trevas, a luz sempre progride. É de suas naturezas.

Talvez, aquele ministro alemão pudesse refletir sobre o que Peter Wohlleben relata em “A sabedoria secreta da natureza” (editora Sextante): “Em uma mina de carvão de Colônia, 550 milhões de metros cúbicos de água foram retirados apenas em 2004. É um valor 1,5 vezes maior do que a quantidade de água potável usada na Alemanha inteira em um ano. Uma área subterrânea de pelo menos 3 mil quilômetros quadrados é afetada, onde habitam seres vivos que ainda não estudamos e cuja influência sobre ciclos naturais ainda não compreendemos.”

No Brasil, referindo-se ao desastre do rompimento da barragem de dejetos da mineração, em Brumadinho, Ailton Krenak, em “Futuro ancestral” (editora Companhia das Letras), observa sobre o impacto daquele desastre no Rio Doce: “No tal capitaloceno que estamos experimentando não restará nenhum lugar da Terra que não seja como o corpo deste rio, assolado pela lama. Ela alcançará todos os recantos do planeta, assim como os polímeros e os microplásticos alcançam a barriga de cada peixe no oceano. Por que esses animais devem carregar essas substâncias em sua estrutura tão leve, tão bonita? Um especialista no assunto me disse que o microplástico viaja pelo nosso corpo e já pode ser encontrado nos bebês que estão nascendo. Achei isso escandaloso, mas não podemos nos render à narrativa de fim de mundo que tem nos assombrado, porque ela serve para nos fazer desistir dos nossos sonhos, e dentro dos nossos sonhos estão as memórias da Terra e de nossos ancestrais.”

Em “A entrega total ao amor” (Edições Loyola), David G. Benner discorre sobre os efeitos deletérios do medo: “Um sentimento especialmente importante que se encontra na raiz do medo é a culpa…Kierkegaard foi o autor de três contribuições para o estudo do medo. Ele sugeriu: 1) que o medo se manifesta quando nosso espírito teme a si próprio; 2) que o medo muitas vezes substitui a culpa; e 3) que a culpa sempre resulta de uma inibição para amar.”

Que nesta Semana Santa (para os cristãos) o medo dê lugar à capacidade de amar; o amor nos estimule a imitar o bem; e o bem nos mostre como nos liberarmos dos males pessoais e sociais.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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