

Opinião
Dianteira confortável
Esquerda e direita não mudaram de tamanho nas pesquisas eleitorais. Ora, quem ganha com a estabilidade nas intenções de voto?


A eleição de 2022 começou em março do ano anterior. Foi quando Lula retomou seus direitos políticos, tornou-se candidato e passou a ser o principal antagonista de Jair Bolsonaro. Esse nunca escondeu sua intenção de permanecer no poder, dentro da lei ou na marra. Para os que, na direita, se incomodavam com ele, nunca faltaram motivos para removê-lo, listados em mais de cem pedidos de impeachment a entupir as gavetas do presidente da Câmara. A um simples estalar de dedos dos poderosos, Arthur Lira se apressaria a fazer com que um tramitasse. Ao contrário do que se andou dizendo, não foi a esquerda (ou Lula) que preferiu ter Bolsonaro como adversário. Quem o escalou foi a direita.
Nunca, em nossa história, passamos por um processo eleitoral tão longo. Quem achar que, em 1998, na reeleição de Fernando Henrique, tudo estava resolvido desde muito cedo, não se esqueça que, até junho de 1997, nem sequer a hipótese de reeleição existia. As outras foram todas mais curtas. Além de longo, vivemos um processo fundamentalmente estável, sem subidas e descidas, sustos ou sobressaltos. Na média dos resultados de todas as pesquisas presenciais feitas em maio de 2021, Lula alcançava 42%, Bolsonaro ficava com 24% e o conjunto de outros candidatos de direita obtinha 15%. Agora, no início de setembro de 2022, na mesma métrica, Lula tem 44%, Bolsonaro 32% e os “outros” recebem 5%.
A conta é fácil: o capitão subiu 8 pontos em 18 meses, enquanto a soma dos demais nomes da direita caiu 10. Em outras palavras: esquerda e direita não mudaram de tamanho. O único fato que houve foi uma aglutinação das opções da direita em torno do nome mais forte, seja por ser o titular do governo, seja por receio das elites conservadoras de rifá-lo e ficar ainda mais fracas diante de Lula.
A constatação dessa estabilidade conduz a algumas conclusões. Em primeiro lugar, que sempre foi maior a proporção de eleitores dispostos a votar na esquerda, o que fica ainda mais nítido se considerarmos que o voto em Ciro Gomes (que representava 6% do total em maio de 2021 e agora é 8%) não é um voto à direita. Tudo o que se tentou contra a esquerda nos últimos anos, para demonizá-la, não surtiu efeito.
Em segundo lugar, que nada que o capitão fez, desde o ano passado, no comando da máquina pública, melhorou suas perspectivas. Foram rios de dinheiro desviados na tentativa de comprar o voto de eleitores de baixa e média renda, por meio de auxílios, reduções de preços, isenções tributárias e verbas para obras de utilidade duvidosa, com resultados irrisórios. A cada fracasso, mais dinheiro, com as pesquisas mostrando que os beneficiários não mudavam seus votos.
Em terceiro lugar, que, assim como as velhas armas da política não alteraram o quadro, tampouco tiveram efeito as novas. A propalada vantagem do bolsonarismo nas redes sociais e sua festejada “novidade” perante a esquerda “antiquada” não serviram de nada. Quem apostava nisso para alavancar o capitão, ou achava que a presença em redes sociais é algo de muita relevância, está vendo que seu impacto é pequeno. Os votos em Bolsonaro só aumentaram porque outros candidatos conservadores desistiram.
A pouco mais de três semanas da eleição, sua duração e estabilidade sugerem que pouco há por acontecer. Não é como em eleições anteriores, muito mais expostas a fatos novos de última hora, genuínos ou indecentes. Nada há de saudável em uma cultura política que incentiva a decisão tardia do eleitorado e submete as pessoas a um bombardeio de estímulos na reta final: sabe-se lá quantos debates entre candidatos, pesquisas diárias anunciadas com estardalhaço, propagandas eleitorais monopolizando os intervalos da programação das emissoras. Jornais abandonando qualquer equilíbrio na cobertura e escancarando seus objetivos políticos.
Sem contar a bandalheira, praticada, às vezes, em plena luz do dia. Como justificar a omissão da Justiça Eleitoral em 2018, quando era evidente a fraude que o bolsonarismo cometia na internet? Como admitir que a revista Veja lançasse uma “edição especial” na véspera da eleição de 2014, para atacar o PT? Como tolerar o jornalismo da TV Globo exibindo montanhas de notas, em 2006, para confundir os eleitores? É bom que o eleitorado esteja pensando na eleição há muito tempo e, ao que tudo indica, pretenda votar sem se deixar sugestionar. A estabilidade é boa para Lula. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1225 DE CARTACAPITAL, EM 14 DE SETEMBRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Dianteira confortável “
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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