Carla Mauch

Coordenadora-geral da ONG Mais Diferenças

Thaís Martins

Coordenadora de Advocacy da ONG Mais Diferenças

Opinião

Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência: tempo de celebrar avanços, mas de frear ameaças

Apesar de completar uma década, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência ainda precisa ser conhecida e celebrada por toda a sociedade

Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência: tempo de celebrar avanços, mas de frear ameaças
Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência: tempo de celebrar avanços, mas de frear ameaças
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Em 21 de setembro, o Brasil celebra o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. É uma data propícia para lembrarmos de todos os avanços e conquistas em direção à não discriminação e à igualdade de oportunidades, mas, também, uma ocasião para reconhecermos os atuais desafios e dificuldades neste campo.

O ano de 2025, em si, é um marco para essa luta, pois a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) completa uma década. Concebida, em princípio, como estatuto da pessoa com deficiência, seu texto final resultou da união de esforços de diversos atores sociais e de um longo processo de amadurecimento, com tramitação que se estendeu por cerca de 15 anos.

A LBI decorre de amplo processo de escuta e participação da sociedade civil por meio do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do legislativo federal. E se consolidou como instrumento unificado de garantia de direitos ao abarcar legislações como Código Civil, Código Eleitoral e Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

O Brasil saiu na frente nessa pauta, pois os primeiros projetos de lei voltados para as pessoas com deficiência foram criados no início dos anos 2000, antes mesmo da promulgação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2009). Em 2012, os PLs foram revistos e adequados à convenção, que já vigorava no país com status constitucional. Na sequência, novas audiências públicas foram realizadas até nascer, em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.

A garantia de direitos das pessoas com deficiência constituiu um marco para a democracia brasileira, pois, enquanto persistirem barreiras e exclusão, não haverá cidadania plena. Esse marco impõe à sociedade e ao Estado o dever de enfrentar o capacitismo e de assegurar que as políticas públicas sejam formuladas com escuta qualificada e participação efetiva das próprias pessoas com deficiência. Como aponta Izabel Maior, uma das maiores referências do movimento brasileiro de pessoas com deficiência, “a noção de diversidade humana, igualdade de direitos e respeito às diferenças caracteriza o paradigma dos direitos humanos, modelo que assegura, às pessoas com deficiência, dignidade, autonomia e direito de fazer suas escolhas” (MAIOR, 2017).

Apesar de completar uma década, a LBI ainda precisa ser conhecida e celebrada por toda a sociedade. E é necessário também ação contínua para enfrentar as desigualdades ainda persistentes, além de regulamentação em todos os seus artigos para que possamos avançar rumo a um Brasil pautado pelos princípios de justiça, não discriminação e igualdade de oportunidades.

Um dos pontos previstos pela LBI que necessita de regulamentação é a avaliação biopsicossocial da deficiência, para que a efetivação de direitos aconteça com base no modelo social e não no modelo médico da deficiência. O instrumento de avaliação biopsicossocial considera a interação complexa entre as condições físicas, intelectuais e psicossociais de uma pessoa com os fatores sociais e ambientais que impedem sua plena participação na sociedade.

É preciso também frear tentativas de retrocessos na luta das (e pelas) pessoas com deficiência. Apesar dos termos “inclusão” ou “educação inclusiva” estarem presentes em muitos discursos, as concepções que embasam tais discursos são, muitas vezes, antagônicas às concepções da convenção e da LBI. Destacam-se, nesse sentido, as recentes iniciativas do deputado Duarte Júnior, que, por meio dos Projetos de Lei 1584/2025 e 2661/2025, almeja criar um “Código” ou uma “Consolidação” da legislação sobre os direitos das pessoas com deficiência. Embora pareça uma ideia atraente, tais iniciativas podem ameaçar direitos já conquistados. O PL 1584/2025, por exemplo, revogou expressamente a LBI em seu texto, copiando o teor para submetê-lo a uma nova tramitação nas casas legislativas.

Assim como essa, há diversas propostas nas casas legislativas de todos os níveis federativos desconsiderando a LBI. São projetos de lei que tentam retomar o modelo da educação segregada, na contramão da LBI e da convenção, que determina um sistema educacional brasileiro inclusivo. Frequentemente surgem e ressurgem ideias baseadas em um olhar médico sobre a deficiência, ao passo que a LBI adota e reforça a Convenção Internacional ao considerar que a deficiência é fruto da interação entre limitação funcional e barreiras físicas, comunicacionais e atitudinais presentes no ambiente.

É preciso que continuemos vigilantes para que essas ameaças de retrocesso não avancem e interrompam uma construção histórica e significativa dos movimentos de pessoas com deficiência no Brasil, em consonância com o lema ‘nada sobre nós sem nós’. Ao mesmo tempo, é fundamental que as regulamentações da LBI aconteçam e se traduzam em práticas anticapacitistas no cotidiano, para avançarmos na construção de uma sociedade justa, em que o bem viver e a dignidade sejam garantidos a todas as pessoas.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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