Opinião

Dallagnol causou danos à imagem de Lula sem nenhuma prova do que dizia

A decisão do STJ é importante para deixar claro aos integrantes do MP e das polícias que eles não podem destruir a imagem de investigados e réus sem qualquer limite

Deltan Dallagnol e Lula. Fotos: Marcelo Camargo/Agência Brasil e AFP
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Após ter sido condenado pelo Superior Tribunal de Justiça a indenizar Lula, o ex-procurador Deltan Dallagnol veio a público manifestar sua indignação com o que chamou de “inversão de valores”. Segundo ele, corruptos estariam sendo inocentados, enquanto investigadores estariam sendo punidos por fazerem seu trabalho. É preciso que se esclareça, em primeiro lugar, que a decisão contra Dallagnol não se deu em razão das condutas estatais abusivas que levaram à prisão de Lula, as quais ainda merecem ser reparadas. Ela ocorreu pelos danos morais causados à imagem do ex-presidente em razão da apresentação do famigerado PowerPoint.

A Polícia Federal e o Ministério Público divulgam, dentro da lei, o conteúdo do seu trabalho. Por implicar uma acusação a alguém, é possível que haja nessa ação algum tipo de prejuízo à imagem da pessoa acusada. No entanto, ao contrário do que Dallagnol afirma, a lesão não pode ser considerada inerente à denúncia. Lembremos de que o papel do MP é justamente ser um dos garantidores dos direitos fundamentais do acusado. Isso não é algo facultativo, mas sim dever da instituição, que deve cuidar para que o prejuízo à imagem do réu seja o menor possível. Primeiro, porque a denúncia é uma mera acusação, não foi contestada pela defesa. Segundo, porque o MP não é um particular, mas sim o Estado falando ao público.

No caso do PowerPoint, ocorreu o contrário, uma amplificação da denúncia, ocasionada pela vontade deliberada de atacar a imagem do réu perante a opinião pública. O MP não deve se utilizar de quaisquer meios para alcançar resultados, para obter a condenação de um réu. Deve, como órgão estatal, restringir-se a empregar os meios constitucionais e legalmente permitidos. Vulnerar propositalmente a imagem do acusado está muito longe de ser adequado e em conformidade com a Constituição.

A intenção de causar danos à imagem de Lula ficou evidente durante toda a apresentação de Dallagnol à imprensa, quando ele se referiu ao ex-presidente como “comandante máximo do esquema de corrupção” e “maestro da organização criminosa”. Vale lembrar, entretanto, que essa acusação não constava na denúncia formulada pelo MP contra ­Lula. Isso desmascara as intenções do ex-procurador. A finalidade da comunicação não foi, como reconhecido na decisão do STJ, divulgar a denúncia, e sim atacar a imagem do réu de forma inconstitucional e atentatória, inclusive aos seus direitos humanos, e não apenas aos seus direitos fundamentais.

Além de tratar Lula como chefe de organização criminosa, Dallagnol disse que havia provas de cometimento de crime por Lula no ato da denúncia, um conceito inadmissível juridicamente, uma vez que os elementos trazidos pela denúncia não haviam passado pelo contraditório. Não há prova antes de que a defesa se manifeste. Só pode haver prova reconhecida de um crime na decisão final, depois do devido processo legal. Ao afirmar que havia provas contra Lula, Dallagnol passou para a sociedade a ideia equivocada de que havia um juízo formado pela condenação. Comportou-se como um advogado privado de acusação, e não como um procurador da República.

Para quem ainda acredita na acusação de que Lula teria recebido a reforma do tríplex, o qual supostamente seria a ele destinado, como pagamento por benefícios obtidos por empresas privadas em contratos com o Poder Público, vale lembrar que isso jamais foi comprovado. O próprio juiz Sergio Moro reconheceu, na resposta aos embargos de declaração apostos pela defesa, que não houve prova da relação entre Lula e o chamado Petrolão. Moro condenou o ex-presidente por uma outra conduta, que nem sequer foi formulada pelo MP e, portanto, da qual o acusado não pôde se defender: a de que praticaria, em retorno ao benefício recebido, atos futuros – de forma abstrata, algo sem previsão no nosso direito penal. Logo, as provas a que Dallagnol se refere não existiam nem mesmo no plano material.

Por fim, a decisão obtida pela defesa de Lula no STJ é importante para deixar claro aos integrantes do MP e das polícias que eles não podem destruir a imagem de investigados e réus sem qualquer limite. A exposição abusiva, espetacularizada, de denúncias e acusações na mídia pode causar danos irreversíveis à imagem de alguém e precisa ser sancionada.

Cabe ainda destacar, no combate a esses abusos, a competência invulgar dos advogados de defesa de Lula, Cristiano Zanin e Valeska Teixeira, que têm desempenhado, desde a defesa dos processos contra o ex-presidente na esfera criminal até esta decisão, por méritos exclusivamente deles, uma atuação histórica e merecedora de todos elogios. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1202 DE CARTACAPITAL, EM 6 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Inversão de valores”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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