Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Creuza Oliveira: mulher negra, ex-trabalhadora doméstica e doutora Honoris Causa

Conceder este título a Creuza Oliveira é um ato de reconhecimento, uma reparação histórica em um país que se recusa a abrir mão do seu passado escravocrata

Foto: Divulgação/Fenatrad
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Recebi com muita alegria a notícia de que a ex-trabalhadora doméstica Creuza Oliveira em breve será agraciada com o título de Doutora Honoris Causa, concedido pela Universidade Federal da Bahia. A data da solenidade ainda não foi divulgada.

Assim como eu, como milhares de mulheres negras deste país, Creuza conheceu de perto o trabalho doméstico e toda a gama de humilhações que essa profissão costuma trazer. Aos cinco anos de idade, ela já trabalhava. Tal exploração impediu que a menina baiana, nascida em Santo Amaro, frequentasse a escola. Creuza teve acesso aos bancos escolares somente aos 16 anos e concluiu o Ensino Médio aos 30.

Foi apenas aos 21 anos que Creuza passou a ser remunerada. A esse respeito, ela afirmou em entrevista à revista Raça: “[Com a Lei Áurea], nós, mulheres negras, passamos de escravas que trabalhavam na casa-grande para criadas. Hoje nos chamam de empregadas domésticas. Nós lutamos para sermos reconhecidas como classe de trabalho, ou seja, trabalhadoras domésticas ou trabalhadoras em residência. Formamos uma das maiores categorias de mão de obra feminina”.

Com Creuza, eu aprendi que não devemos usar o termo “empregada doméstica” para nomear as mulheres que ganham a vida exercendo atividades de limpeza e cuidado em lares brasileiros.

Sindicalista, Creuza Oliveira é hoje presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, a FENATRAD, na qual luta pelos direitos deste grupo e também pelo fim da discriminação e da invisibilização que marcam suas trajetórias.

Creuza teve papel fundamental na assinatura da chamada PEC das Domésticas, que em 2013 alterou a Constituição ao estabelecer a igualdade de direitos entre trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais. Seguindo a tradição escravista do Brasil, a PEC encontrou forte resistência de diversos setores da sociedade. Passada mais de uma década de sua aprovação, o número de profissionais com carteira assinada ainda é bastante baixo.

Em razão do seu compromisso com a promoção da justiça social, Creuza já recebeu diversos prêmios, dentre eles a Comenda da Ordem Dois de Julho, maior honraria concedida pelo Governo do Estado da Bahia. Diante do fato de se tornar Doutora Honoris Causa pela UFBA, Creuza pontuou: “A academia esteve distante do povo e das classes menos favorecidas. Os representantes desta classe só conseguiram chegar à universidade a partir das cotas. Foi aí que muitas pessoas tiveram que ‘engolir’ as filhas e os filhos das domésticas, a população indígena e a negra nas universidades. Este título irá abrir portas para outras. É uma vitória muito importante para a nossa luta e para a nossa história”.

As palavras de Creuza Oliveira me fazem lembrar da socióloga afro-americana Patricia Hill Collins, que afirmou: “Precisamos mudar o conceito de intelectual”. Creuza faz parte dessa mudança, uma vez que, por meio da sua luta, nos ensina muito a respeito das desigualdades, do modo como o racismo orienta as relações sociais no Brasil. Nesse sentido, é fundamental que Creuza e suas contribuições estejam nos planos de ensino das universidades e das escolas de educação básica.

Conceder o título de Doutora Honoris Causa à Creuza Oliveira é um ato de reconhecimento, uma reparação histórica em um país que se recusa a abrir mão do seu passado escravocrata, que de maneira proposital e sistemática empurra as mulheres negras para a pobreza, para a miséria.

Todos os vivas para a Doutora Creuza Maria Oliveira.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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