Drauzio Varella

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Médico cancerologista, foi um dos pioneiros no tratamento da AIDS no Brasil. Entre outras obras, é autor de "Estação Carandiru", livro vencedor do Prêmio Jabuti 2000 na categoria não-ficção, adaptado para o cinema em 2003.

Opinião

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Covid crônica?

A OMS calcula que existam 65 milhões de pessoas com Covid longa no mundo. Ainda não há um consenso sobre o tempo de recuperação

Marcelo Camargo/ Agência Brasil
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A pandemia de Covid-19 foi um poço de surpresas.

Quando surgiram os primeiros casos na China, muitos acharam que esse Coronavírus não seria capaz de provocar uma epidemia mundial, entre eles o doutor Anthony Fauci, a maior autoridade em doenças infecciosas dos Estados Unidos. Em janeiro de 2020, antes de surgir o primeiro caso no Brasil, tive a mesma impressão, da qual me retratei uma semana mais tarde, assim que as UTIs da Itália divulgaram as primeiras informações.

A segunda surpresa foi a gravidade que a doença podia adquirir, especialmente em pacientes com doenças preexistentes: diabetes, doenças cardiovasculares e pulmonares, fumo, pessoas com obesidade etc.

A surpresa seguinte veio ao tomarmos consciência de que nenhum país do mundo dispunha de um sistema de saúde preparado para tratar tanta gente adoecendo ao mesmo tempo. As imagens dos caminhões frigoríficos estacionados às portas dos melhores hospitais de Nova York são inesquecíveis.

Talvez a derradeira surpresa tenha sido a da Covid longa, caracterizada por sintomas persistentes por meses consecutivos: perda de olfato e paladar, tosse seca, dor de cabeça, dores musculares, fôlego curto, fadiga, neblina cerebral, perdas cognitivas e transtornos psiquiátricos, entre outros sintomas debilitantes.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) caracteriza como Covid longa os “sintomas que surgem nos primeiros três meses depois da infecção pelo SARS-CoV-2, com duração de pelo menos dois meses”. E toma o cuidado de acrescentar: “Embora essa definição não seja aceita por todos”.

A imprecisão deve-se à dificuldade para se caracterizar o momento da cura. Primeiro, porque muitos pacientes não conseguem indicar o dia em que a sintomatologia regrediu completamente. Depois, porque não há exames laboratoriais capazes de fazê-lo.

A OMS calcula que existam 65 milhões de pessoas com Covid longa no mundo. Segundo a Organização, ela se instala em 10% a 20% dos infectados pelo SARS-CoV-2.

Uma metanálise (análise de vários estudos) realizada pela epidemiologista Tala Ballouz, da Universidade de Zurique, na Suíça, mostrou que a chance de recuperação da Covid longa é mais alta no decorrer do primeiro ano de duração da sintomatologia.

O acompanhamento de 1.106 pacientes que tiveram Covid-19 aguda antes da existência de vacinas, revelou que 22,9% ainda se queixavam de sintomas seis meses mais tarde. Depois de um ano, esse número havia caído para 18,5% e, após dois anos, para 17,2%. Segundo os autores, quando a sintomatologia persiste além desse prazo, a condição deve ser considerada crônica.

O estudo de Andrea Foulkes, do ­Massachusets General Hospital, na cidade de Boston, mostrou que a cura da Covid pode levar mais tempo. Dos que ainda referem sintomas seis meses depois da infecção aguda pelo SARS-CoV-2, apenas um terço estará curado antes de chegar aos nove meses.

Uma metanálise publicada em março de 2023 identificou os seguintes fatores de risco para desenvolver Covid longa: sexo feminino, idade, índice de massa corpórea (IMC) elevado, fumo e doenças preexistentes (asma, diabetes, doença pulmonar obstrutivo-crônica etc.).

A necessidade de hospitalização e a gravidade do quadro durante a fase aguda da doença aumentam o risco. Numa pesquisa, pacientes que passaram acamados sete dias ou mais, hospitalizados ou não, tiveram mais chance de apresentar sintomas persistentes nos 27 meses seguintes.

Desenvolver Covid longa no primeiro episódio da doença aguda é mais comum do que por ocasião da segunda infecção.

A vacinação preventiva diminui substancialmente o risco. Uma metanálise publicada em março deste ano revelou que a administração de duas doses da vacina reduz ainda mais o risco. Esse resultado foi confirmado por uma ­wpesquisa da Universidade de Oxford, no ­Reino Unido, que comparou a incidência de ­Covid longa em cerca de 10 milhões de pessoas vacinadas, com quase 10 milhões de não vacinadas.

Há duas medicações que demonstraram a capacidade de reduzir o risco de desenvolver a forma longa da doença, quando administradas na fase aguda: a metformina e o paxlovid. No entanto, os resultados ainda precisam ser confirmados por mais estudos.

O tratamento é apenas sintomático. Não existem medicamentos específicos para a Covid longa. •

Publicado na edição n° 1267 de CartaCapital, em 12 de julho de 2023.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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