

Opinião
Corrida maluca
A confusão instalada no esporte deixa-se ver através dos protestos relativos ao calendário entupido pelas múltiplas competições sobrepostas


Impossível deixar de lembrar da tarde e da noite vividas pela população do Rio de Janeiro na segunda-feira 23 e na terça-feira 24, durante os ataques ao transporte público realizados por milicianos. A falta de segurança que toma conta da cidade é apenas um símbolo do que se passa, em diferentes graus, no País como um todo. E não se trata de uma situação exclusivamente brasileira. Já vimos crises semelhantes na Colômbia, por exemplo.
Eu, pessoalmente, fico com a sensação de que o nível de manifestações de violência atinge patamares que tiram a tranquilidade de qualquer pessoa, onde quer que se vá. Ninguém está imune a ela, por mais isolado que se esteja. Basta nos lembrarmos de que, neste momento, temos duas guerras em curso.
O esporte vai, nesse contexto, seguindo em sua missão de ajudar a aliviar as tensões do cotidiano. Ao mesmo tempo, não tem como se livrar dos reflexos dessa situação alarmante. Pudera.
O caos instalado no esporte deixa-se ver através dos já batidos protestos relativos ao calendário que está, literalmente, entupido pelas múltiplas competições acumuladas umas sobre as outras.
Neste momento do Campeonato Brasileiro vem à tona a salada criada pelo apagão no Engenhão, o Estádio Olímpico Nilton Santos, do Botafogo, ocorrido durante a partida contra o Athletico Paranaense, no sábado 21. Embora o episódio seja pequeno diante do tamanho dos demais desacertos, ajuda a dar a dimensão da confusão generalizada em que se encontra o clube.
De acordo com a Light, as linhas da companhia estavam íntegras e a luz faltou por um defeito na estrutura do local. Os geradores do estádio não conseguiram segurar a carga de energia nos refletores e nas demais áreas.
Nesta sanha desenfreada para arrancar o lucro a qualquer custo, os critérios de igualdade de condições nas disputas são postos para escanteio.
Com tantas competições simultâneas, os clubes escolhem as que mais lhes interessam e são obrigados a jogar as outras disputas com times reservas, mistos ou da base. Tal situação acaba por ter, inevitavelmente, consequências e desdobramentos.
No caso do Botafogo, o clube apresentou um abaixo-assinado dos jogadores declarando-se em condições de jogar na terça-feira seguida ao domingo, em que, depois da partida suspensa, completou o segundo tempo – sem a presença de torcedores.
Além da questão do desrespeito aos torcedores que pagaram e não viram a partida completa – espera-se que haja algum ressarcimento –, um “sindicato” de jogadores pediu o cumprimento do intervalo regulamentar entre um jogo e outro.
Há duas observações, no mínimo, curiosas sobre isso. Aos jogadores, certamente, não caberia a iniciativa de romper o prazo legal. E, em segundo lugar, a ideia de um sindicato tomando iniciativa em defesa dos jogadores causa estranheza, uma vez que isso não acontece há muito tempo. Quando acontece, tende a ser uma iniciativa patronal.
Mesmo no plano internacional, há muito tempo não se tem notícia de órgãos que representem os jogadores em defesa de interesses comuns. E, ainda falando em calendário, estamos, por aqui, nos aproximando de disputas decisivas. Quer seja festejando títulos e acessos, quer seja amargando derrotas, os ânimos inevitavelmente se acirram.
Em meio a tudo isso, merece menção o jovem Guilherme Madruga, do Botafogo de Ribeirão Preto (SP), que, por duas vezes, em pouquíssimo tempo, teve duas indicações ao Prêmio Puskás de gol mais bonito do ano. Primeiro, foi com uma bicicleta espetacular lá de longe. No último fim de semana, assinalou mais um golaço aquém da linha do meio de campo. •
Publicado na edição n° 1283 de CartaCapital, em 01 de novembro de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Corrida maluca’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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