

Opinião
Convocação renovada
Ao mesmo tempo que vive a alegria pela vitória do Fluminense na Libertadores, Diniz atravessa uma fase de incertezas à frente da Seleção


O balanço da campanha brasileira nos jogos Pan-Americanos 2023, em Santiago, no Chile, com recorde de medalhas, traz um alento para os dias conturbados deste ano que caminha para o final. O País terminou a competição com 66 ouros, 73 pratas e 66 bronzes, totalizando 205 medalhas.
O Pan também garantiu vagas olímpicas para os atletas brasileiros em várias modalidades – handebol feminino, boxe, natação, tênis e vela, entre elas. Ao mesmo tempo, a convocação da Seleção para os jogos das eliminatórias da Copa 2026, traz novas revelações que sinalizam um futuro promissor para o futebol – mesmo em tempos de saída prematura dos nossos jovens.
Paulinho, nem tão jovem, por ora no Atlético Mineiro, retornando de passagem no exterior, puxa a fila na qual está também Endrick, jovem que tem brilhado no Palmeiras e já está encomendado pelo Real Madrid. Na final da Libertadores, no sábado 4, o Fluminense venceu brilhantemente o Boca Juniors. O time brasileiro veio chegando de mansinho no campeonato e, no fim, arrebatou o principal título do nosso continente.
Vimos, na partida, uma verdadeira explosão com a entrada do John Kennedy. O jogador, de maneira, no mínimo, curiosa, entrou na parte final do jogo, fez o gol que deu o título ao tricolor e, na mesma hora, saiu expulso. Teve, ao fim e ao cabo, o privilégio de ser o primeiro a comemorar fora do campo. Estrela.
John Kennedy, ainda por cima, colabora para a confirmação daquilo que Fernando Diniz vem, com frequência, apontando: a perda constante de talentos pelo futebol brasileiro, devido à falta de políticas e iniciativas de apoio à juventude. São incontáveis as histórias de jogadores que vencem na insistência, depois de terem sido dispensados de incontáveis “peneiras”.
Certa vez, fui acompanhar o trabalho de “garimpagem” de jovens pretendentes a jogadores para o Bonsucesso. O time havia sido arrendado pelo Jairzinho e pelo Edson Cegonha – extraordinário volante que, entre passagens pelo Corinthians e Palmeiras, foi bicampeão paulista, formando o meio de campo com Gerson e Pedro Rocha, numa composição inesquecível do São Paulo.
Jogávamos uma pelada de veteranos no Estádio Leônidas da Silva, em Bonsucesso, às sextas-feiras, e os dois acabaram encampando o clube que atravessava tempos de crise e me chamaram para colaborar. Conto essa história apenas para dizer que Edson Cegonha, um dia, me disse: “Afonso, não adianta a gente dispensar esses garotos de uma vez, que eles voltam quatro, cinco vezes em seguida”.
Desde então, muita coisa mudou em termos de oportunidades, mas Diniz tem razão quando afirma que perdemos muitos talentos por razões que podemos classificar como “sociais”. O que isso significa? Que os jogadores tendem a ser avaliados apenas do ponto de vista do “momento técnico” que atravessam, sem que se levem em conta aspectos emocionais e sociais.
Diniz, por sua vez, pavimentou um terreno fértil para a sua carreira de treinador ao, de forma corajosa, ir contra a corrente que aposta na prevalência da força física – sob o apelido de “intensidade” – sobre o talento. Isso é o que está em jogo: como encarar um jogo de futebol de alta performance. Quase todos, em vez de tratar o futebol como modo de expressão de uma coletividade, preferem seguir o modismo.
A intensidade, sabemos, sempre houve. Ela é, inclusive, inerente ao espírito de disputa que o jogo traz na sua essência – ninguém joga para perder. Mas não há limites para ela? A dedicação de Fernando Diniz foi premiada no Fluminense. Mas ele, ao mesmo tempo que vive esse momento feliz, vive também um período difícil na orientação da Seleção Brasileira. Inclusive, porque há incertezas em relação à sua efetivação entre os “canarinhos”.
Dois dias depois do título da Libertadores, ele retomou o posto de técnico interino da Seleção e fez sua terceira convocação. As próximas partidas acontecerão este mês: contra a Colômbia, em Barranquilla, no dia 16, e contra a Argentina, no Maracanã, no dia 21.
O Campeonato Brasileiro, por sua vez, se reafirma como um dos torneios mais intrincados do mundo, ainda mais diante da perda de rumo do Botafogo. A certa altura considerado, por quase todos, como virtual campeão, o time anda agora às voltas com a manutenção da dianteira. •
Publicado na edição n° 1285 de CartaCapital, em 15 de novembro de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Convocação renovada’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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