Opinião

Como pôde o embaixador de Israel afrontar o status diplomático de maneira tão evidente?

Ao violar tão flagrantemente os dispositivos da Convenção de Viena, o representante israelense perde a legitimidade de embaixador

Daniel Zohar Zonshine, embaixador de Israel no Brasil. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
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“O fascismo deve ser desmascarado do começo ao fim, toda a sua prática e a sua teoria. Em especial, o escritor que trabalha com materiais históricos deve renunciar à exuberante porém falsa genealogia com que o fascismo, qual um verdadeiro ‘parvenu’, esconde sua origem pequeno-burguesa. Seus ancestrais não são Odin ou os bárbaros, tampouco César e Pompeu, mas os miseráveis saqueadores e os colonialistas aventureiros do século XIX, cobertos de vergonha” – Iuri Tyniánov

O resgate dos cidadãos e cidadãs brasileiros residentes em Gaza foi um êxito absoluto.

Entretanto, permanecem algumas perguntas.

Em primeiro lugar, como pôde o embaixador de Israel afrontar o status diplomático que lhe fora creditado, de maneira tão evidente?

Com efeito, ao se reunir com um pluricriminoso – o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado múltiplas vezes pela Justiça Eleitoral – o representante de Israel extrapolou os limites do que a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, prevê para a prática diplomática.

De fato, reza o artigo 41 daquela Convenção, da qual o Brasil faz parte: “Sem prejuízo de seus privilégios e imunidades, todas as pessoas que gozem desses privilégios e imunidades deverão respeitar as leis e os regulamentos do Estado acreditador. Têm também o dever de não se imiscuir nos assuntos internos do referido Estado”.

Ora, ao promover reunião com um pluricriminoso, também acusado pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Congresso, que apurou a tentativa de golpe de estado de 8 de Janeiro de 2023, como sendo o mentor da quartelada, o representante de Israel violou a proibição de não se imuscuir em negócios internos do Brasil, da forma mais rasteira: reunindo-se com o promotor da tentativa de ruptura da ordem democrática.

Mais ainda, o parágrafo 2 do mencionado artigo 41 expressamente dispõe: “Todos os assuntos oficiais tratados com o Estado acreditador confiados à missão pelo Estado acreditante deverão sê-lo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Estado acreditador ou por seu intermédio, ou com outro Ministério em que se tenha convindo”.

Ora, até onde se sabe, nenhuma dessas disposições foi tomada pelo representante de Israel, que não apenas não comunicou a reunião criminosa ao Itamaraty, mas também não o fez ao nível mais alto do Poder Executivo, junto ao qual está acreditado.

Portanto, ao violar tão flagrantemente os dispositivos da referida Convenção de Viena, o representante de Israel perde a legitimidade de embaixador, restando-lhe apenas ser representante de um Estado, para muitos, terrorista, desde sua origem.

Ao lado disso, caberá entender mediante qual acordo o serviço secreto tabajara de Israel (incapaz de prever o ataque do Hamas) – o Mossad – coopera com a Polícia Federal brasileira.

Vale notar a grande surpresa com que o público brasileiro acolheu, na semana passada, a notícia de que haveria uma célula do Hezbolah, o “Partido de Deus” libanês, pronta a realizar atentados no País.

Pior, o informante das autoridades brasileiras teria sido o tal Mossad. O gabinete do próprio primeiro-ministro genocida de Israel teria agradecido a colaboração do Brasil.

Sob tão obscuro episódio, cabe indagar: existe acordo entre Brasil e Israel para troca de informações desse jaez? Foi aprovado pelo Congresso, como requer a lei nacional? Não foi abuso institucional semelhante que deu origem à nefanda, ilegítima e ilegal Lava Jato?

A quem interessaria um atentado no Brasil, que tem se mantido ao lado do Direito Internacional, portanto na margem contrária ao governo de extrema-direita genocida de Israel?

Nada aprendemos com a simulação de atentados por parte precisamente da extrema-direita, como foi o caso do Riocentro, durante a ditadura militar? Não ia um “patriota” bolsonarista explodir o Aeroporto de Brasília no final de 2022?

Não é assim que age a extrema-direita em qualquer latitude e longitude, do Brasil à Itália, passando por Israel?
No Brasil, quem mais patrocinou a extrema-direita e as rupturas democráticas de 1954, 1964 e 2016 senão a Rede Glolpe?

O que disse um de seus “comentaristas internacionais”, um certo sujeito com nome de bebê (e cérebro): que só poderia ter sido o Irã a determinar o atentado!

Só rindo, para não chorar…

O tal bebê mimado – e sempre desinformado – sequer refetiu sobre que interesse teria o Irã nisso: a resposta é zero.

Por recentemente ter ingressado no grupo dos Brics, por estar articulando uma resposta conjunta do mundo árabe e islâmico à agressão desmesurada de Israel à Faixa de Gaza e por ser o principal alvo dos EUA, em caso de ampliação do conflito no Oriente Médio.

Destarte, creio que caberia à embaixada do Irã ingressar na Justiça contra o suposto articulista e a Rede que o veiculou e emprega, por crime de calúnia (quando se imputa crime a alguém que goza da presunção de inocência), pois ambos só entenderão a linguagem do deus a quem obedecem: Mamon – o deus do dinheiro.

Alguns milhões de dólares não farão falta aos homens mais ricos do Brasil e talvez ensinem ao nascituro que o ofício de jornalista requer algum raciocínio (este é ponto controvertido).

Para encerrar, uma belíssima citação do livro Quem matou meu pai (editora Todavia), do escritor francês Éduard Louis:

“Quando lhe perguntaram que significado a palavra ‘racismo’ tem para ela, a intelectual americana Ruth Gilmore responde que racismo é a exposição de algumas populações a uma morte prematura… Essa definição funciona também para o machismo, a homofobia ou a transfobia, a dominação de classe e para todos os fenômenos de opressão social e política. Se considerarmos a política como o governo de seres vivos por outros seres vivos e a existência de indivíduos dentro de uma comunidade que não escolheram, então política é a distinção entre populações com a vida sustentada, encorajada, protegida, e populações expostas à morte, à perseguição, ao assassinato”.

Digamos não à exclusão: aqui, em Gaza, na Cisjordânia, em Israel e onde mais houver.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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