Adriana Erthal Abdenur

Socióloga, especialista em políticas públicas e relações internacionais e fundadora da Plataforma Cipó.

Opinião

Novos rumos para a cooperação sul-sul em clima e meio ambiente

O governo Bolsonaro inviabiliza avanços no sentido de expandir influência no plano internacional e em termos de colher os benefícios concretos

O presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a Cúpula de Líderes sobre o Clima, em 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Ao promover uma Política Externa que negligencia a Cooperação Sul-Sul, o Brasil perde uma série de oportunidades, tanto no sentido de expandir influência no plano internacional, como em termos de colher os benefícios concretos que resultam do intercâmbio de experiências com outros países em desenvolvimento.

Essas trocas podem ir muito além do comércio, abarcando também investimentos, cooperação técnica em políticas públicas, transferência de tecnologias e inovações, e intercâmbios culturais, educacionais e científicos.

As oportunidades perdidas têm se tornado cada vez mais visíveis na área climática, que passou a ocupar um espaço central na agenda internacional, sobretudo após o início da pandemia de Covid-19 e o agravamento da crise ecológica, refletida nos últimos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (ou IPCC, na sigla em inglês).

Pouco se pode esperar do atual governo nessa área.

No âmbito doméstico, Bolsonaro vem promovendo o acelerado desmonte das instituições encarregadas de proteger o meio ambiente e apoiar as comunidades tradicionais; se empenha também no esforço de favorecer mudanças legais que facilitem a ampliação de crimes ambientais tais como o desmatamento, a extração e o garimpo ilegais em Terras Indígenas e Unidades de Conservação.

Na atual diretriz de Política Externa, o tema da Cooperação Sul-Sul perdeu sua posição de destaque em favor dos ataques ao multilateralismo e da aproximação com outros governos de orientação de extrema-direita, tanto no plano regional quanto no global.

A plena retomada de parcerias estratégicas com países como Argentina, China e África do Sul será fundamental

Além de reduzir o número de embaixadas em países em desenvolvimento, Bolsonaro fechou as portas para importantes países vizinhos, como a Argentina, e também para parceiros estratégicos, inclusive a França e a Alemanha; criando também tensões políticas injustificadas com a China (seu maior parceiro comercial); e afastou-se de parceiros africanos, inclusive a África do Sul.

Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite. Foto: Marcos Corrêa/PR

Como a Política Externa Brasileira de um futuro governo poderia recuperar o tempo perdido e revitalizar não apenas a Cooperação Sul-Sul de modo geral, mas também inovar nessa modalidade de cooperação nas áreas de clima e meio ambiente em específico?

Por meio da Organização das Nações Unidas, é possível lançar novas plataformas para facilitar trocas de conhecimento, abordagens técnicas, melhores práticas e experiências, por exemplo na implementação da Agenda 2030, alinhando com a agenda do Acordo de Paris voltada à redução de gases de efeito estufa.

As Conferências das Partes (COPs) das convenções sobre Clima, Biodiversidade e Desertificação também oferecem espaços para maior coordenação e cooperação entre os países em desenvolvimento, notadamente no sentido de pressionar os países ricos por mais atenção e recursos para temas que vêm sendo negligenciados nas negociações globais, tais como adaptação climática, perdas e danos, racismo climático e a agenda da biodiversidade.

Também há oportunidade para aprofundar os laços com outros países da Amazônia

Em todas essas pautas, é essencial amplificar a participação das comunidades indígenas, quilombolas e outras populações tradicionais, assim como trazer mais atenção à importância da geração de empregos verdes nos países em desenvolvimento.

É também possível fazer avançar a agenda climática e ambiental por meio de iniciativas já existentes, mas que perderam fôlego nos últimos anos, inclusive as Cúpulas entre a América do Sul e Países Africanos (ASA) e os Países Árabes (ASPA), com ênfase em trocas horizontais sobre Transição Justa. E, dada a possibilidade de revitalização do BRICS, o Brasil deve propor novas iniciativas por meio das redes de universidades, centros de pesquisa e think tanks, trocas educacionais e de capacitação em clima e meio ambiente.

Por fim, dada a urgência de aumentar os investimentos em uma recuperação verde, o Brasil deve pressionar o Novo Banco do BRICS, cuja missão central é mobilizar recursos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável, a formular critérios claros, transparentes e objetivos para os investimentos nessas áreas.

Regionalmente, a Política Externa Brasileira deve priorizar a ratificação e implementação do Acordo de Escazú sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe e o Pacto de Letícia pela Amazônia. O acordo representa uma chance de proteger os defensores ambientais e, ao mesmo tempo, promover a proteção do meio ambiente.

Deve, além disso, buscar revitalizar as organizações regionais, tais como a Unasul, de forma a retomar o objetivo de maior integração – agora, sob a ótica da sustentabilidade, buscando novas fontes de financiamento para infraestrutura verde.

É igualmente necessário impulsionar a formulação de um marco regional para promover a Transição Justa na América Latina, promovendo soluções adequadas ao contexto regional que previnam a destruição ambiental, que levem à geração de renda e de empregos dignos, inclusive por meio da bioeconomia e da infraestrutura verde, e que também beneficiem as mulheres.

Também há oportunidade para aprofundar os laços com outros países da Amazônia, por meio da Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia (OTCA) e do Pacto de Letícia, de forma a fortalecer o monitoramento e proteção da floresta, promovendo uma visão mais sustentável e cadeias de valor livres de destruição ambiental e violações de Direitos Humanos.  A cooperação na região deve ser vista como elemento que impulsiona a capacidade de formulação e implementação de políticas públicas no Brasil, reforçando, portanto, a soberania nacional.

No plano bilateral, o Brasil deve retomar seu protagonismo na cooperação em políticas públicas em áreas tais como agricultura (dando maior ênfase à promoção da segurança e soberania alimentares e da agricultura familiar), saúde pública, educação, planejamento urbano, porém com maior ênfase sobre soluções sustentáveis, como a bioeconomia, a agrofloresta e as cidades verdes.

A plena retomada de parcerias estratégicas com países como Argentina, China e África do Sul será fundamental, agregando acordos de cooperação especificamente voltados aos temas ambientais, abarcando a promoção de cadeias de commodities livres de desmatamento ilegal e violações de Direitos Humanos e Trabalhistas. Ao mesmo tempo, o Brasil também deve estreitar relações com países do Norte, além da União Europeia, com quem poderia ampliar a cooperação triangular, formando novas parcerias para apoiar iniciativas em outros países em desenvolvimento.

Há, também, espaço para inovação na cooperação descentralizada para promover, por meio da cooperação Sul-Sul, uma recuperação verde e resiliente da pandemia de Covid-19, aproveitando nos arranjos liderados por governos subnacionais, tais como o Consórcio Amazônia Legal, por exemplo.

Hoje em dia, não é mais possível promover uma Cooperação Sul-Sul solidária sem levar em consideração as mudanças climáticas e a crise ecológica, temas que perpassam todas as outras crises em curso.  Mobilizar a Cooperação Sul-Sul deve ser elemento central de uma visão de um Brasil mais justo, mais democrático e mais construtivo no plano internacional.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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