Jiang Shixue

Professor da Universidade de Estudos Internacionais de Sichuan

Opinião

Como construir um mundo de paz perpétua

Temos de defender o papel central das Nações Unidas nos assuntos internacionais. A segurança de um país não deve ser alcançada às custas de outros

Biden e Xi já conversaram em outras ocasiões. Na foto, uma ligação entre os dois em novembro de 2021. Foto: MANDEL NGAN/AFP
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As manchetes dos últimos dias são tristes.  Se perguntarmos aos povos de Palestina e Israel o que mais pretendem nesse momento, sem dúvidas as respostas clamariam por paz.

As temáticas sobre a paz e a guerra marcaram as falas de todas as lideranças presentes na recente sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, incluindo o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, o vice-presidente chinês, Han Zheng, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. De fato, a guerra existiu em todas as etapas históricas da humanidade, e não há um único dia em que não haja uma guerra em curso no mundo. Portanto, como o presidente chinês Xi Jinping disse diversas vezes, devemos nos esforçar continuamente para construir uma comunidade global de futuro compartilhado para a humanidade. E assegurar um mundo marcado pela paz perpétua constitui um dos componentes mais importantes desta comunidade global. 

Para a construção de um mundo de paz perpétua, todos os países devem permanecer unidos e tomar as seguintes medidas diante das adversidades: 

Em primeiro lugar, reforçar o papel central das Nações Unidas nos assuntos internacionais. A Carta das Nações Unidas expressa a forte determinação da humanidade em buscar a paz: “Nós, os povos das Nações Unidas, [estamos] determinados a salvar as gerações seguintes do flagelo da guerra, que duas vezes em nossas vidas trouxe uma tristeza incalculável à humanidade”. Para alcançar este ambicioso objetivo, apela a todas as nações “para que pratiquem a tolerância e vivam juntas em paz umas com as outras como bons vizinhos, e que unam as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais…”

Também afirma: “As partes em qualquer disputa, cuja continuação seja suscetível de colocar em risco a manutenção da paz e da segurança internacionais, devem, em primeiro lugar, buscar uma solução por meio de negociação, investigação, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a agências ou arranjos regionais ou outros meios pacíficos de sua própria escolha”.

No entanto, a Carta das Nações Unidas tem sido frequentemente violada. Nesse sentido, como disse o conselheiro de Estado e ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, em 2021, a ONU deve ser uma defensora da equidade e da justiça, e não uma mera espectadora de ações marcadas pelo hegemonismo e o bullying; deve tornar-se um grande palco para a prática do multilateralismo, ao invés de uma arena para grandes jogos de poder; e deve responder aos desafios de forma ativa, e não como simples espaço para conversações. 

Ao defender a “lei da selva” e o unilateralismo, o hegemonismo ignora a soberania de outros países

Os Estados Unidos, que se consideram um “defensor do direito internacional”, muitas vezes violam descaradamente a Carta da ONU. Não é à toa que, aos olhos de John Bolton, ex-embaixador dos Estados Unidos na ONU, atua “como Sísifo”, perseguindo um objetivo que nunca pode ser alcançado. Como disse a escritora americana Margot Patterson, “a diminuição do respeito pelo direito internacional pode estar ligada à ascensão dos Estados Unidos como potência militar após a Segunda Guerra Mundial…” 

A China defende que a soberania e a integridade territorial de todos os países devem ser respeitadas e protegidas e que os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas devem ser seguidos com seriedade. Wang Yi expressou essa posição logo após o início da crise ucraniana, em fevereiro de 2022. “Esta posição da China é consistente e clara, e aplica-se igualmente à questão da Ucrânia”, disse Wang Yi.

Em segundo lugar, há de ser estabelecido novos tipos de relações entre os grandes países, baseadas no respeito mútuo e na cooperação. As políticas das grandes potências não só determinam o bem-estar e a fortuna/infortúnio de seus próprios povos, mas também afetam o destino das pessoas em outras partes do mundo. Portanto, até certo ponto, não é trivial que um novo tipo de relacionamento entre grandes países baseado no respeito mútuo e na cooperação venha a se tornar uma realidade.

São variadas as definições acerca do que constitui uma grande potência. Alguns dizem que o tamanho da população, as dimensões territoriais e a escala econômica de um país são as condições a serem julgadas para definir uma grande potência. Outros acreditam que as grandes potências são aquelas capazes de buscar o status de superpotência, como Estados Unidos, China, Rússia, União Europeia e Japão. Há também quem argumente que a força para vencer guerras representa o elemento fundamental para comprovar ou não a condição de grande potência de um país.   

Em fevereiro de 2012, o então vice-presidente chinês Xi Jinping apontou em uma entrevista ao Washington Post, antes de sua viagem aos Estados Unidos, que há espaço suficiente para que tanto a China quanto os Estados Unidos se acomodem no Oceano Pacífico. Em seu encontro com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em junho de 2013, o presidente Xi Jinping propôs estabelecer um novo tipo de relações entre grandes países para a China e os EUA. 

No entanto, os Estados Unidos não estão dispostos a aceitar esse tipo de relação. Nos últimos anos, os americanos têm intensificado seus esforços para conter a China, ou mesmo induzir a redução de seus vínculos com esta. Como Henry Kissinger disse em 2021, as tensões entre os Estados Unidos e a China ameaçam engolir o mundo inteiro, e poderiam levar a um confronto semelhante ao Armagedom entre dois gigantes em termos militares e tecnológicos.

Em terceiro lugar, temos de nos opor vigorosamente ao hegemonismo. Hegemonismo pode significar uma posição ideológica ou um ato de política externa. Ao defender a “lei da selva” e o unilateralismo, o hegemonismo ignora a soberania de outros países, frequentemente empunhando a vara das sanções pela chamada “jurisdição de braço longo”, não hesitando também em usar a força para implementar a mudança de regime em outros países.  

O hegemonismo tem uma longa história. Já na era dos descobrimentos geográficos, as potências europeias usaram meios hegemônicos para realizar uma brutal expansão colonial em todo o mundo. Nesse processo, grandes quantidades de riquezas de Ásia, África e América Latina foram saqueadas pelos colonialistas e inúmeras vidas da população local foram perdidas. Desde que se tornou uma superpotência após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos frequentemente contaram com sua poderosa superioridade militar e força econômica para implementar políticas hegemônicas e travar inúmeras guerras contra seus oponentes. 

Em um discurso em abril de 2019, o ex-presidente americano Jimmy Carter observou que os Estados Unidos não estiveram envolvidos em pelo menos uma guerra por apenas 16 de seus mais de 240 anos de história, tornando-o “o país mais bélico da história do mundo”. Christopher Kelly e Stuart Laycock afirmaram, no livro America Invades: How We’ve Invaded or Been Militarly Involved with Almost Every Country on Earth (Book Publishers Network, 2014), que apenas três países do mundo (Andorra, Butão e Liechtenstein) não haviam experimentado meios de intervenção militar dos Estados Unidos.  No artigo intitulado Introducing the Military Intervention Project: A New Dataset on US Military Interventions, 1776-2019, publicado pelo Journal of Conflict Resolution (agosto de 2022), Sidita Kushi e Monica Duffy Toft calcularam que os Estados Unidos realizaram entre 1776 e 2019 quase 400 intervenções militares em todo o mundo, das quais cerca de 200 ocorreram após a Segunda Guerra Mundial.  

Em quarto lugar, a segurança de um país não deve ser alcançada às custas de outros. Não há dúvida de que só alcançando a segurança poderemos garantir que a soberania e a integridade territorial de um país sejam protegidas de agressões externas. Visando isso, alguns países formaram alianças militares por meio de tratados e outros acordos. Exemplo disso, 26 países em guerra contra as potências do Eixo assinaram a “Declaração das Nações Unidas” em 1º de janeiro de 1942, formalizando a frente única antifascista mundial e potencializando a luta pela justiça e o progresso por meio da guerra antifascista.

Mas também há alianças militares que são injustas. Por exemplo, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que é controlada pelos Estados Unidos, não apenas usou repetidamente a força ilegal contra outros países, mas também se expandiu continuamente sob a influência da mentalidade da Guerra Fria e da teoria realista das relações internacionais. Até o presente momento, a OTAN se expandiu em cinco diferentes momentos em direção ao leste, aumentando seu número de membros de 16 para 30, e avançando mais de 1.000 quilômetros para ao leste e em direção à fronteira russa. 

Para dissuadir militarmente a Rússia, a OTAN tentou de todas as formas oferecer oportunidade de adesão à Ucrânia. Isso irritou a Rússia. Em 24 de fevereiro de 2022, o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou em um discurso televisionado que a Rússia lançaria uma operação militar especial na região de Donbass, na Ucrânia. Atualmente, ninguém pode prever quando e como essa crise terminará. Como disse uma vez um funcionário do governo ucraniano, “a OTAN nos dá armas, e nós sacrificamos vidas… e o acordo é justo.” 

A OTAN também aponta o dedo para a China. Altos funcionários da OTAN, como seu secretário-geral, Jens Stoltenberg, afirmaram que a China representa um desafio aos interesses, à segurança e aos valores da OTAN, e que os membros da organização devem trabalhar juntos para enfrentar os “desafios sistêmicos” representados pela China. Isso constitui um total absurdo.

Consequentemente, se queremos construir um mundo marcado pela paz perpétua, temos de defender o papel central das Nações Unidas nos assuntos internacionais, promover novas relações com base no respeito mútuo e na cooperação entre os grandes países, opor-nos vigorosamente ao hegemonismo e garantir que a segurança de um país não seja alcançada às custas de outros. 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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