Guilherme Boulos

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Coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Foi candidato à Presidência da República em 2018, pelo PSOL.

Opinião

Cinco teses sobre o golpismo

Bolsonaro não tem condições de aplicar um golpe clássico, mas aposta na desordem para melar as eleições

A milícia bolsonarista se arma e treina nos clubes de tiro - Imagem: iStockphoto
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Tese 1
Bolsonaro está desesperado. Para ele, o que está em jogo não é simplesmente perder a eleição e retirar-se como ex-presidente. Sabe perfeitamente que pode ser preso – ele, os filhos e os milicianos de seu entorno – quando deixar a Presidência. Perderá a prerrogativa de intervir em investigações pela indicação de chefes regionais da Polícia Federal, pela influência na Procuradoria-Geral da República e pelos fatídicos decretos de sigilo por cem anos. Suas condições para costurar um “grande acordo nacional” de imunidade são mínimas, dado seu desgaste permanente com o Supremo. Por isso, joga todas as fichas numa batalha de vida ou morte. Como última tentativa de ganhar no voto, o que é cada dia mais improvável, aprovou a PEC dos Auxílios. Na outra trincheira, opera desde o início do mandato no sentido golpista: inflama a retórica, trocou comandantes das Forças Armadas, reuniu embaixadores estrangeiros e seguirá nesta mesma toada. No que depender dele, irá até as últimas consequências. É inimaginável uma transição amistosa. Vai esticar a corda, movido pelo instinto de sobrevivência e pelo medo da cadeia.

Tese 2
O êxito de qualquer golpe depende do papel das Forças Armadas. O comando militar não é bolsonarista, embora nutra ressentimentos fortes com a esquerda. Eles têm seus próprios interesses e dificilmente entrariam numa aventura dirigida por Jair, Carluxo e companhia. Vale lembrar que Bolsonaro sempre foi do baixo clero do Exército, agitador de quartel, visto com desprezo pelos comandantes. Se é verdade que seu governo é funcional para os militares, é verdade também que não o enxergam como um deles. Nunca houve um golpe na América Latina sem o apoio dos Estados Unidos, que dificilmente teriam razões para apoiar Bolsonaro aqui, com Joe Biden no governo e o risco da volta de Donald Trump. O país em frangalhos e o provável isolamento internacional fazem o comando militar brasileiro pensar dez vezes antes de seguir um caminho como este. Botar tanque nas ruas é fácil, o problema é o dia seguinte e eles sabem disso. Aliás, os bastidores das crises do presidente com ministros do Supremo e do 7 de setembro do ano passado indicam que Bolsonaro tentou iniciativas de ruptura institucional mais de uma vez e não teve o respaldo militar que esperava. Por isso, é muito difícil crer num golpe militar tradicional no Brasil, que impeça Lula de assumir o governo. O que não quer dizer que outras manobras não sejam possíveis.

Tese 3
Onde mora o maior perigo? Na criação de um ambiente de caos e violência generalizada no País durante o processo eleitoral ou logo após as eleições. Visivelmente, esta é a aposta de Bolsonaro: estimular a violência política e um cenário de insegurança e conflito, que aflore o medo generalizado e leve a uma demanda de ordem. O assassinato de Foz do Iguaçu não foi um caso isolado. Bolsonaro seguirá a estimular seus seguidores a ações que, embora aparentemente solitárias, criam o contexto. E ele conta com milhares de bolsonaristas armados, frequentadores de clubes de tiro, que busca organizar como uma espécie de milícia privada. Seus decretos levaram a uma enxurrada de armas e munições vendidas, nas mãos dos CACs, espalhadas por todo o Brasil. O golpe na Bolívia, em novembro de 2019, foi operado justamente por milícias civis, que promoveram o caos, sequestraram ministros e tentaram matar Evo Morales, ante a complacência das forças militares do Estado. O Exército brasileiro dificilmente toleraria sua perda do monopólio do uso da força, mas como reagiria numa situação de caos instalado? Difícil dizer.

Os próximos meses serão dos mais desafiadores da história política brasileira

Tese 4
O Dia D e a Hora H do bolsonarismo será o 7 de setembro. É quando ele colocará à prova sua força de mobilização, a menos de um mês das eleições de outubro. É de se esperar que, a partir dessa data, eles intensifiquem a escalada de violência política, buscando amedrontar a sociedade e tumultuar a reta final da campanha eleitoral. Daqui até o dia 7, sua estratégia deverá estar centrada em movimentos de preparação do ambiente político, a exemplo da reunião com os embaixadores. Intensificará as desconfianças sobre o sistema eleitoral para coesionar a narrativa da sua militância e seguirá estimulando ações “isoladas” de violência contra a esquerda e a campanha de Lula.

Tese 5
Os próximos meses serão dos mais desafiadores da história política brasileira e exigirão iniciativa dos setores democráticos e populares da nossa sociedade. Diante deste tabuleiro complexo e de suas ciladas, temos dois grandes desafios. O primeiro é não nos deixarmos levar pelo ambiente de medo fomentado pelo bolsonarismo. O desespero é o maior inimigo. Temos de seguir a linha que tem dado certo no diálogo com o povo: apontar o desastre na condução da pandemia, a tragédia do desemprego e da fome, a volta da inflação. Quando Bolsonaro falar de urnas, temos de responder com o preço do botijão de gás. Não podemos deixar que ele defina a agenda do debate público. O segundo é apostarmos na mobilização democrática. Quando a esquerda se esconde debaixo da cama, o fascismo toma as ruas. Quando apenas um time está em campo, o outro perde por WO. Temos de ir às ruas, numa grande mobilização, em resposta rápida ao 7 de setembro bolsonarista. É papel dos movimentos sociais brasileiros organizar a reação. Não no mesmo dia, para evitar um confronto físico que só interessa a eles, mas logo na sequência. As ruas, como em outros momentos decisivos de nossa história, serão o palco da defesa da democracia e dos direitos. Preparemo-nos, então, para o nosso Dia D.

P.S.: Suspenderei esta coluna na ­CartaCapital até novembro, num afastamento temporário para me dedicar à campanha eleitoral, como pré-candidato a ­deputado federal por São Paulo, e para contribuir na eleição de Lula à Presidência. •


*Coordenador do MTST e pré-candidato a deputado federal pelo PSOL-SP.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1218 DE CARTACAPITAL, EM 27 DE JULHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Cinco teses sobre o golpismo”

 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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