

Opinião
Cavaleiros do Apocalipse
A desigualdade está intimamente ligada ao colapso ambiental: os 10% mais ricos são responsáveis por 50% das emissões de gases de efeito estufa


Desde o início da década de 2020, a humanidade recebe sinalizações de que o planeta está piorando de forma acelerada e angustiante. A degradação é mais aguda em dois sentidos: a crise ambiental e o aumento das desigualdades e da pobreza. Poderíamos incluir, ainda, um terceiro fator, a retomada das guerras extremadas, como as que estão em curso na Ucrânia e em Gaza. No território palestino, por sinal, o conflito ganha tons genocidas, à medida que Israel vem matando crianças, mulheres e idosos indiscriminadamente. Trata-se, sobretudo, de uma guerra contra a infância.
Fixemo-nos, porém, aos dois primeiros. A crise ambiental não é mais uma coisa do futuro. Nós a vemos e a sentimos diariamente. Catástrofes ocorrem em toda parte, do Polo Norte ao Polo Sul, em todos os continentes, da Ásia às Américas. Tornados devastadores, enchentes diluvianas, mares em fúria, incêndios apocalípticos, desaparecimento de espécies, escassez de água, desertificação, safras perdidas, mortes e refugiados ambientais são algumas das terríveis consequências do que fazemos contra a natureza.
A percepção aguçada pelos sentidos parece indicar o prenúncio do fim dos tempos, gerando perturbações psicológicas em número crescente de pessoas. Quando lemos os relatórios da ONU, preparados por cientistas, somos informados de que estamos perto de um ponto de não retorno. Ao perder a corrida para deter o aquecimento global, a humanidade perde para si mesma. Mesmo cientes de que o modo como produzimos, consumimos e vivemos é desastroso, não nos esforçamos para escapar da tragédia.
Nesta semana, a divulgação do relatório da Oxfam sobre as desigualdades trouxe dados assustadores e inaceitáveis. Em três anos, os cinco homens mais ricos do mundo duplicaram suas riquezas, alta de 114% desde 2020. No mesmo período, 5 bilhões de pessoas, 60% da humanidade, ficaram mais pobres. Fenômeno semelhante verifica-se por aqui: a fortuna dos cinco maiores magnatas do Brasil cresceu 51%, enquanto 129 milhões de brasileiros empobreceram ainda mais.
Os contrastes mostrados pela Oxfam são cruéis. Os mais pobres levam uma vida de restrições e vicissitudes. As mulheres e as crianças são as que mais sofrem. Aliás, dentre os 5 bilhões de habitantes que vivem na pobreza, a maioria é constituída de mulheres. Discriminações e violências são comuns no cotidiano dessas pessoas. Os preços aumentam mais que os salários, os direitos diminuem e os ganhos das empresas sobre a mão de obra não param de crescer. Nos últimos três anos, cresceu também a diferença entre o Norte e o Sul globais. Quase 70% da riqueza privada está concentrada no Hemisfério Norte, onde vive 21% da humanidade.
Há uma indisfarçável ligação entre o aumento das desigualdades e a crise ambiental. A Oxfam mostra que os 10% mais ricos são responsáveis por 50% das emissões de gases de efeito estufa, e o 1% mais rico por 16% da poluição. Ou seja, os endinheirados são os principais responsáveis pelo colapso climático e pelo agravamento da pobreza. Já os 50% mais pobres respondem por apenas 8% das emissões de carbono.
O relatório da Oxfam sugere uma relação direta entre a concentração da riqueza nas mãos dos super-ricos e o aumento do poder empresarial. De um poder empresarial que estabelece uma nova era de um poder monopolista concentrado, de domínio global. Nesse jogo, as grandes companhias aumentam as suas recompensas, enquanto o poder de compra dos salários cai. É um jogo de ganha/perde. Os três primeiros anos desta década marcam um declínio histórico dos salários, segundo a OIT.
O segundo fator da concentração do poder empresarial diz respeito aos sistemas tributários: os super-ricos e suas empresas evitam pagar impostos, enquanto o peso maior da carga tributária recai sobre os mais pobres. Em terceiro lugar, com a privatização de serviços públicos essenciais, as tarifas sufocam os consumidores e vêm causando uma crescente restrição de acesso. Lucros extraordinários das privatizadas são bancados pela população. Companhias que muitas vezes recebem ajuda dos governos por meio de subsídios, isenções e outras benesses.
Por fim, as grandes empresas agravam o colapso climático por conta de sua sanha ilimitada por lucro e poder. Induzem, inclusive, suas parceiras e fornecedoras a agir de forma predatória para atender às suas demandas e seus objetivos. A conclusão a que se pode chegar é só uma: o mundo caminhará para o aumento de conflitos internos e de guerras entre os países. A ambição ilimitada e destrutiva dos poderosos se chocará com as necessidades dos mais pobres e com a urgência de salvar o planeta. •
Publicado na edição n° 1294 de CartaCapital, em 24 de janeiro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Cavaleiros do Apocalipse’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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