Opinião

Carta para as eleitoras de terceiro mundo

Nenhuma eleição presidencial será mais importante do que as eleições presidenciais no Brasil, em 2022.

Carta para as eleitoras de terceiro mundo
Carta para as eleitoras de terceiro mundo
As inimigas. No Brasil, o governo Bolsonaro declarou guerra ao feminismo
Apoie Siga-nos no

A escritora Glória Anzaldúa, no livro “Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo”, deixou sua lição de escrita visceral: “Não deixe a tinta coagular na caneta“.

A escritora nomeou seu próprio fazer de escrita orgânica, tecida não no papel, mas no tecido vivo: “O significado e o valor da minha escrita são medidos pelo quanto eu me coloco na linha e quanta nudez eu alcanço”.

Se eu pudesse, como a autora, dar um recado para as mulheres eleitoras do Brasil, para o segundo turno das eleições presidenciais de 2022, diria: “Vote com as vísceras, com o calor do teu corpo, com a ferida de tua pele, com o sangue que corre em tuas veias”.

Nenhuma eleição será tão importante como essa, em 2022, e nenhuma eleição foi mais determinante desde a redemocratização do Brasil. O ano de 1968 é, segundo título de livro de Zuenir Ventura, o ano que não terminou, com o qual 2018 se liga de forma tão umbilical… E 2022 corre o risco de não terminar, caso Bolsonaro vença novamente as eleições, escrevendo mais um capítulo amargo na nossa história.

Em 2018, com a morte de Marielle Franco, veio o prenúncio da barbárie que nos rondava, com a qual teríamos que conviver nos próximos anos. Desde 2020, tantos cadáveres acumulados, pela aliança brutal de Bolsonaro com o coronavírus (já foram mais de 687 mil!). Em 2022, os assassinatos de Dom Phillips e Bruno Pereira, prenunciando o tombamento da floresta, o que pode nos alijar de nosso futuro, caso não escrevamos novas histórias. Quantos mais corpos terão que cair?

Essas novas narrativas hão de ser escritas com o calor de nossas entranhas. Não se trata de voto útil, mas de algo muito mais bruto e visceral: da continuidade do pacto civilizatório e da nossa luta pela vida e pela floresta.

O projeto de Bolsonaro é um projeto manifestamente ecocida e genocida e o ódio às mulheres está no seu embrião. Votar em Lula é votar pela vida, pela possibilidade de futuro, por habitar recomeços.

Caras eleitoras de terceiro mundo, o voto há de ser uterino…

Quantas mais instituições democráticas serão destroçadas? Bolsonaro promete, caso reeleito, aumentar para 16 o número de ministros do STF, o que vem anunciando desde as eleições de 2018, quando sugeriu aumentar para 21 o número de cadeiras, quando já flertava abertamente com o autoritarismo.

Com o PGR aliado, o orçamento secreto, o Congresso tomado e o Supremo coagido, será mesmo o fim dos tempos, o que tenho chamado de “queda da Constituição”.

A mera existência desse tipo de proposta autocrática, mesmo que futuramente descartada, já produz fissuras, persistindo sua força enquanto dispositivo micropolítico. O estrago é feito a cada vez em que projetos de emenda à constituição ou projetos de lei dessa estirpe são apresentados, mesmo que não prosperem, porque a mira é nos afetos, nas narrativas, na produção de necroses.

É tempo de curar as feridas, que já são tantas e se acumulam, livrando-nos do azedume do horror e dos nossos traumas coletivos. É tempo de reconstruir as possibilidades de futuro, aprendendo a habitar recomeços.

O voto há de ser visceral, no tecido vivo da carne. Trata-se de corpo, sangue, pus, ferida, prole e suor…

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo