Justiça

‘Capitão Corona’ no Tribunal Penal Internacional (TPI)? Ainda não

Conversei com a Ex-juíza da Corte Internacional para entender se estão presentes requisitos para condenar o ‘capitão corona’

Presidente Jair Bolsonaro. Foto: PR
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Há alguns dias se fala sobre a eventual possibilidade – ou mesmo necessidade – de responsabilização do presidente Jair Bolsonaro em âmbito internacional, mais precisamente perante o Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, Países Baixos, diante das recentes atitudes do Presidente em relação à pandemia do Coronavírus.

Como se sabe, o TPI foi criado para prevenir a ocorrência de violações dos direitos humanos e do direito internacional humanitário, além de coibir ameaças contra a paz e a segurança internacionais.

Até o momento que escrevo esta coluna, o Presidente Bolsonaro realizou intencionalmente atos diários de descumprimento das recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), das classes médicas brasileira e internacional, e de seu próprio Ministro da Saúde.

Apostando no caos de modo irresponsável e tosco, Jair Bolsonaro, apelidado de “Capitão Corona” pelo excelente Bernardo Mello Franco, a meu ver cometeu crimes tipificados na legislação penal brasileira, como os previstos nos artigos 131 (perigo de contágio de moléstia grave), 132 (expor a vida ou a saúde de outros a perigo direto), 197 (obrigar alguém, com ameaças ou violência, a trabalhar ou não durante o período de instabilidade), 267 (causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos), e 268 (infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa) do Código Penal.

Mas este rol de crimes consumados até o momento justifica, tecnicamente, um caso no TPI? Para a professora da FGV/SP Sylvia Steiner, com quem conversei para a realização deste texto, não.

A ex-juíza do TPI entende que até o momento, ainda que graves, as condutas do Presidente não poderiam ser equiparadas a crimes contra a humanidade, de acordo com o Estatuto de Roma, que disciplina a matéria, e da jurisprudência do próprio Tribunal.

Isto porquê os crimes contra a humanidade devem ser obrigatoriamente cometidos em contexto de “ataque generalizado ou sistemático contra a população civil”, que pode ser manifestado em conflitos armados – o que obviamente não é o caso – ou em um contexto de uma política ou de um plano deliberado de ataque contra a população civil.

Também não seria o caso de genocídio, descrito no Estatuto de Roma como atos praticados com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.

Me parece que a professora tem razão. A fim de obter maior chance de êxito na instância internacional, é preciso ter cuidado para uma ação certeira.

Até o momento, não podemos falar de um plano ou política intencionalmente pensados e efetivados pelo “Capitão” com a finalidade confessa de assassinar ou exterminar parte da população. O próprio Ministro da Saúde tem sido elogiado pelas políticas que tem gerido, apesar de seu chefe. Além disso, parte de suas iniciativas mais perigosas, como o pronunciamento em rede nacional incentivado pessoas a voltarem ao trabalho e a campanha #obrasilnãopodeparar foram rapidamente suspensas pelo Judiciário.

Suas condutas irresponsáveis e erráticas continuam, é verdade, mas elas não bastam, por enquanto, para legitimar um caso no Tribunal Penal Internacional.

Vejam, não se trata de defender que as condutas de Jair Bolsonaro – que, como já expus, são de fato criminosas – não podem ser responsabilizadas internacionalmente, e sim que elas deveriam ser levadas à outras instâncias internacionais, tais como o Comitê de Direitos Humanos da ONU e/ou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O que se está a dizer é que, baseada na jurisprudência do próprio tribunal internacional, as chances de êxito de uma acusação com base no estado atual são remotas.

No âmbito nacional, para além da questão do afastamento de suas funções, que é mais política do que jurídica, seria importante uma mobilização de atores relevantes da sociedade para buscar a deflagração de ações penais contra o Presidente pelos crimes que cometeu e que seriam julgadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Por fim, penso ser importante que as instituições do sistema de justiça e segurança, bem como a imprensa e a sociedade civil organizada, também se atentem a outros nomes da classe política que podem estar cometendo os crimes que indiquei em suas cidades e estados, e busquem na justiça suas responsabilizações.

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