Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Caetano aposentou!

Vai voltar a viver na Bahia, não sei se a Bahia do seu sol dourado ou a triste Bahia, ó quão dessemelhante…

Foto: Fernando Young/Divulgação
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A primeira vez que vi o compositor baiano, eu tinha 17 anos. Ainda usava brilhantina no cabelo, sapatos engraxados, talvez a primeira calça Lee importada. Ainda tinha na cabeça o desejo de ser médico um dia, especialista em cardiologia. Sonhava conhecer os segredos do coração. Ah, e tinha uma namorada chamada Teresa.

Caetano tinha os cabelos cheios de caracóis, usava um paletó cotelê por cima de uma camisa de gola rolê. Cara de baiano um pouco assustado, olhos meio esbugalhados, ele olhava tímido para um lado e para o outro, cantando caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento, num sol de quase dezembro.

Alguns dias depois eu o vi no programa Esta Noite se Improvisa, dando um show de memória, ao lado de Chico Buarque, o Chico ainda da Banda, de Pedro Pedreiro. O apresentador dizia uma palavra e os participantes tinham de apertar um botão e ir lá na frente cantar a música com aquela palavra. Caetano só perdia para Chico, que, quando não sabia, inventava uma canção na hora.

A terceira vez que vi Caetano foi numa fotografia na capa da revista O Cruzeiro, Caetano com uma flor amarela no casaco, casando-se com Dedé Gadelha. Segundo O Cruzeiro, um casamento tropicalista.

Aí veio o Moreno.

Depois disso, tudo aconteceu. Os cabelos de Caetano se avolumaram, os caracóis se multiplicaram, veio a Tropicália e era preciso estar atento e forte, não ter tempo de temer a morte.

Alguns dias confinados em Salvador, o show na Barra, o exílio. Dias amargos e tristes, ouvindo os primeiros reggaes, velhas canções dos Beatles, ouvindo Celi Campelo ao lado de Gil, pra não cair, e perguntando: por que tamanha judiação?

Conheci Caetano pessoalmente em Paris, quando passei um dia inteiro com ele para uma reportagem do jornal Versus que saiu com a seguinte manchete: Vatapá à beira do Sena! Caetano tinha acabado de compor Sampa, e eu ouvi ali pela primeira vez, numa época que ainda não havia para mim São Paulo.

Caetano multiplicou-se por mil. Casou-se com Paula Lavigne, teve mais dois filhos, virou um cavaleiro de fina estampa, mas continuou Caetano. Um Caetano que descobria a paixão do compositor Cole Porter pela Bahia de Guanabara, a chuva que lança a areia branca sobre os automóveis de Roma, a elegância sutil de Bobo, o suingue de Henry Salvador, a risada de Andy Warhol, um Caetano que descobria alguma coisa fora da ordem mundial.

Agora Caetano anunciou sua aposentadoria. Vai voltar a viver na Bahia, não sei se a Bahia do seu sol dourado ou a triste Bahia, ó quão dessemelhante.

Não sou eu quem vai assinar a aposentadoria de Caetano Veloso. De jeito nenhum!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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