Opinião

Brasil não terá sucesso se procurar solução simples para algo complexo

É essa a equação que o ministro Paulo Guedes terá de enfrentar e resolver

Brasil não terá sucesso se procurar solução simples para algo complexo
Brasil não terá sucesso se procurar solução simples para algo complexo
Paulo Guedes anuncia medidas para estimular negócios no Brasil. Foto: José Cruz/Agência Brasil
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Mesmo aqueles que têm, como eu, uma visão amigável com relação à política econômica proposta pelo ilustre ministro Paulo Guedes ressentem-se de uma visão mais ordenada que transcenda a vulgata do liberalismo panfletário e apresente, por completo, o seu plano detalhado de navegação no mar hostil que nos cerca. Como e quando ele espera sair da armadilha da tragédia fiscal e do criminoso desperdício de recursos humanos que recebeu (11,8% de desemprego, 4,8 milhões de desacorçoados e 7,3 milhões de subocupados que querem e precisam trabalhar mais). 

Desde maio de 2016, no governo Temer, houve uma inversão de sinal e a recessão cedeu para um crescimento de 1% ao ano do PIB de 2017 a 2019, visivelmente incapaz de dar à sociedade a esperança de um crescimento robusto, equânime e sustentável nos próximos dois ou três anos, o que frustra as expectativas otimistas criadas com a vitória de Bolsonaro. 

O grande dilema nacional é como chegamos ao Orçamento proposto para 2020, no qual Executivo e Legislativo controlam, juntos, apenas 7% dos gastos totais. Os outros 93% são regulados por decisões tomadas ou derivadas das prescrições dos oniscientes constituintes de 1988, entre os quais, confesso, estive cego. Convencidos de que conheciam o “futuro” (coisa fácil para quem acreditava que “leis governavam a história”), decidiram impor aos futuros governantes o seu caminho para atingi-lo. Indexaram, para todo o sempre, algumas despesas públicas como percentagem da receita total porque tinham a “certeza” de que os futuros Legislativos e Executivos não “saberiam” administrar o Brasil.

 

Tais “iluminados”, recolhidos pelo maior estelionato eleitoral que a história pátria conheceu, negavam-se a reconhecer a crítica de alguns “fascistas reacionários” que advertiam que o desconhecido crescimento endógeno das despesas que maquinavam poderia conter, em si, um formidável desastre fiscal. O exemplo era um exercício aritmético elementar. Suponha uma receita de 100 e que ela cresça, à taxa do PIB, 3% ao ano, e que haja um superávit de 2, ou seja, a despesa é de 98, em 1988. Tudo bem, estaticamente. Mas, e se o crescimento endógeno das despesas implícito nas voluntaristas decisões dos constituintes fosse apenas ligeiramente superior à receita, digamos, 3,2% ao ano (o que era uma clara possibilidade), o que aconteceria dinamicamente numa geração de 30 anos, isto é, em 2018?

Em 2018, o PIB físico, que cresceu à taxa de 3% ao ano, passaria de 100 para 243, o mesmo que a receita. A despesa, entretanto, crescendo à taxa de 3,2% ao ano, aumentaria de 98 para 252. Ou seja, o superávit virtuoso de 2% da receita que se via em 1988 se transformaria, pelo aumento endógeno das despesas, num robusto déficit de 3,7%. No exemplo, a partir do décimo ano, teríamos pequenos déficits que, como toda pequena gravidez, tende a crescer. O caminho para a desintegração fiscal seria lento, mas incontornável, a não ser que se impedisse o aumento endógeno das despesas como tenta, agora, fazer o ilustre ministro Guedes, com o apoio hesitante da máquina palaciana de Bolsonaro.

Não há nenhuma novidade nesse problema, cuja solução é trivial: cortar gastos, com a qual todos concordam, desde que sejam os do vizinho. É compreensível. Quando perguntaram ao gigante Einstein qual a equação mais difícil que teve de resolver na vida, ele respondeu prontamente: a dos juros compostos. Pois é, ela é o retrato perfeito do crescimento endógeno…

A atração do canto da sereia do “populismo” (a alegre negação da aritmética) só pode ser vencida se cada cidadão aceitar o “fato inexorável” de que os limites físicos são finitos e que o aumento do seu “bem-estar” (aumento do PIB com redução das desigualdades) exige uma sofisticada acomodação política que incorpore que o que se “consome” e o que se “poupa” hoje determinará o “consumo possível de amanhã”.

Até algumas semanas atrás parecia que, lentamente, as instituições públicas haviam introjetado a velha mensagem de Tancredo, recém-eleito presidente em 1985: “É proibido gastar”. Ledo engano. A última semana foi horrível. O País assistiu, decepcionado, a um vigoroso aumento da insensibilidade do Congresso para reduzir gastos (o abuso em matéria eleitoral), do Judiciário (penduricalhos cada vez mais sofisticados para enganar a sociedade), do “miserê” do Ministério Público e, no fim, do Executivo (o aumento para as Forças Armadas). Uma assustadora avalanche de gastos públicos.

É essa a equação que Guedes terá de enfrentar e resolver com inteligência e equidade, se quisermos continuar a ser uma sociedade civilizada. Não terá sucesso se o Brasil continuar a procurar a saída cômoda e fácil para um problema complexo que mexe com o bem-estar de todos.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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