Esther Solano

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Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Unifesp

Opinião

Bolsorradar: a capacidade para identificar eleitores de Jair Bolsonaro

Alguma coisa nos olhos, na pele, na boca, no gesto, na forma de caminhar e agir diz ‘eu votei 17’

Jair Bolsonaro
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Uma das coisas que mais gosto de fazer na vida é observar os indivíduos no cotidiano. O ser humano é um bicho curioso, fascinante, às vezes inspirador, às vezes dramático. Minha pesquisa sociológica se dá fundamentalmente entre os brasileiros de origem popular, mas sempre estou atenta ao comportamento da classe média e das elites brasileiras, que muitas vezes são de uma existência tragicômica. Viajo bastante por trabalho à Europa e aos Estados Unidos e sempre encontro turistas brasileiros. Evidentemente com grana. Confesso que me divirto muito os observando. Agora que chega o Natal e vou para Madri passar as festas com minha família, que está radicada lá, estarei de olho neles.

Não sei vocês, mas eu, depois deste tempo de bolsonarismo e depois de estudar os bolsonaristas, reconheço um a quilômetros de distância. Quando é um bolsonarista radical, raiz, fascistoide, sinto como um cheirinho, uma vibração no ar que me avisa de longe. Um “bolsorradar”. Como um desses cães farejadores que cheiram a droga nas bagagens. Igualzinho. Olho no rosto do sujeito e posso apostar com margem de erro minúscula que o cara votou em Bolsonaro. Não há equívoco. Está escrito na testa.

Alguma coisa nos olhos, na pele, na boca, no gesto, na forma de caminhar e agir diz “eu votei 17”. Bem, como parte do meu divertimento na observação dos turistas lá em Madri está o de observar o bolsonarista raiz da classe média alta brasileira.

E como são ridículos…

 

Começa no metrô. Eles adoram o metrô. Mas o metrô do exterior, claro. Pegam o metrô para todo lado. Em Nova York, onde o transporte é feio, sujo e velho se comparado com o de São Paulo, eles pegam. Parecem atingir o orgasmo lá dentro. Como é limpinho, como é bonitinho, como funciona bem. Depois voltam a São Paulo e preferem ficar horas no trânsito, porque, pelo visto, o metrô paulistano não é limpinho ou bonitinho…

Segue nos museus. No Museo del Prado, de Madri, que eu conheço bem, porque morei vários anos lá antes de vir para o Brasil, eles ficam horas e horas nas filas de entrada. Arte, como se sabe, é coisa de gente inteligente, sofisticada e culta. Só que arte fora do Brasil, pois o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, era administrado pelo PSOL, radicais, comunistas, maconheiros, bandidos, então que se queime, bem feito! Pois Museu de Arte Moderna faz exposição com artista nu e isso é um atentado contra a família, a religião e os bons costumes. Também no Masp as crianças podem ver obras de gente nua, e horror, horror, se meu filho ver um homem nu vai virar gay no ato. Será que os nus das obras do Museo del Prado são menos nus do que aqueles das obras dos museus brasileiros? Será que, se um menino contempla um homem nu no Masp, vira gay, mas se contemplar um homem nu no Prado sua macheza permanecerá intacta? Nos limites das fronteiras do Brasil, muitos desses bolsonaristas são puritanos, idiotas, fanáticos e burros, mas basta sair do País para fingir que são gente ilustrada, erudita, instruída. Postam fotos no Instagram na porta de Museo del Prado e cumprem sua cota de cultura anual.

Lembro-me de uma vez, em um shopping de São Paulo frequentado por gente de muita grana, onde eu gosto de ir às vezes para observar, havia do meu lado uma roda de senhores e senhoras evidentemente da alta sociedade comentando uma viagem que tinham feito a Paris. E como Paris é bonita, limpinha e cheirosinha, e como os franceses são civilizados, Primeiro Mundo, não como os vagabundos dos brasileiros. Literalmente. Um tempinho depois, pularam de assunto e uma senhora comentou na roda que sua filha lhe tinha perguntado pelas obras de Machado de Assis para um trabalho da escola. A senhora, num ataque de sinceridade, confessou que não conhecia nenhuma e perguntou para a turma. Os mesmos idiotas com grana, entusiasmados com a viagem a Paris e com o contato com a civilização, não sabiam citar sequer uma obra do grande Machado. Eu, que estava do lado, atônita diante da conversa, não consegui me manter em silêncio e falei: “Dom Casmurro, por exemplo, ou as Memórias Póstumas de Brás Cubas”. O grupo olhou para mim e sorriu: “Olha, mas você não é brasileira e já sabe tanta coisa. Que legal!” Aí, não consegui me segurar e respondi: “É que gosto de ler para não ficar burra”.

E pensei: “Beijinho no ombro”.

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