Felipe Milanez

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Professor de Humanidades na Universidade Federal da Bahia. Pesquisa e milita em ecologia política.

Opinião

Bolsonaro aproveita tragédias para impulsionar saques e o ‘problema branco’

Numa panorama mais amplo, o que Bolsonaro, os militares e a Casa Grande financeira estão fazendo no Brasil é uma continuidade da histórica exploração colonial. Aqui, fica o buraco, o sangue, a terra arrasada

Garimpo ilegal na Amazônia (Foto: Felipe Milanez)
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Em meio ao choque de denúncias cada vez mais constantes dos terríveis impactos que o garimpo tem causado na Amazônia, Bolsonaro assinou dois decretos para facilitar a exploração – que seu governo insiste em chamar de “mineração artesanal”.

Após enxurrada de críticas, o presidente aproveitou a trágica invasão da Ucrânia e a crise econômica global que está chegando como um tsunami para sobrepor a crise em curso da pandemia, para impulsionar a mineração nas terras indígenas. Ao menos desde a fatídica reunião ministerial que veio a público em 2020, no início da pandemia, o ex-ministro Ricardo Salles havia explicitado a estratégia que se tornou corrente: tragédias humanitárias são excelentes “oportunidades” para “passar boiadas” de saqueio de recursos naturais e recursos públicos. 

Para o capitão, o problema do capitalismo são os índios e a natureza. A solução? Aprovar um Projeto de Lei, como pretende o governo, que abre as terras indígenas  para o saque desenfreado. Com a abertura dessa nova fronteira de saque, garante o capitão, resolve-se um desses problemas.

Há uma célebre frase de Mário Juruna, logo no início do extraordinário documentário Terra dos Índios (1979), de Zelito Viana. “Não existe problema de índio. Tem muito problema do branco”.

Novamente, como fazia a ditadura, diante do agravamento do problema do branco, Bolsonaro propõe atacar os direitos indígenas. 

Os garimpos e outros saques nas fronteiras de mercadoria na Amazônia, que empregam em situação precária uma massa de trabalhadores, ajudam também a segurar a popularidade de Bolsonaro nessas regiões. Essa roda também alimenta o setor financeiro, rapinas do colonialismo, que financiam o apoio econômico ao projeto autocrático neoliberal militar encabeçado por Bolsonaro. 

Esse movimento é cruel e explícito. Semana passada, a APIB, em investigação feita em conjunto com a organização AmazonWatch, expôs os nomes dos bois dessa boiada do capital financeiro que se locupletam às custas da grilagem do subsolo em curso acelerado no Brasil. O relatório pode ser acessado na íntegra (e merece ser amplamente lido). 

O saque brutal e cruel enriquece grandes fundos internacionais e a elite financeira brasileira. Segundo o relatório, o Capital Group, a BlackRock e a Vanguard investiram USD 14,8 bilhões nas mineradoras com interesses em terras indígenas e histórico de violações de direitos. No Brasil, bancos públicos participam do saque. O fundo de pensão Previ é o responsável pelos mais altos investimentos nas mineradoras citadas, com mais de USD 7,4 bilhões, o que é um absurdo – e ainda a Caixa Econômica Federal, com USD $786 milhões e o Banco do Brasil. No setor privado, o grande destaque é o Banco Bradesco, com quase USD 4,4 bilhões – depois Santander e Itaú. 

Nove mineradoras (Vale, Anglo American, Belo Sun, Potássio do Brasil, Mineração Taboca e Mamoré Mineração e Metalurgia (ambas do Grupo Minsur), Glencore, AngloGold Ashanti e Rio Tinto) possuíam em novembro de 2021 um total 225 requerimentos minerários ativos com sobreposição em 34 Terras Indígenas. É muito requerimento para pouca mineradora, atingindo muitos povos indígenas. As mais afetadas são TI Xikrin do Cateté (PA) e a TI Waimiri Atroari (AM), ambas com 34 requerimentos cada, seguidas pela TI Sawré Muybu (PA), com 21. A etnia mais impactada por estes pedidos de mineração é a Kayapó (PA), com 73 requerimentos.

Em uma reportagem publicada aqui na CartaCapital em 2019, mostrei como a omissão do governo insuflava a violência de fronteira na TI Kayapó, abrindo portas, como quer com os PLs acima citados, para uma invasão de saque e grilagens. 

A esta mineração em larga escala, anda junto a tal da mineração “artesanal”, que exportou mais de 25 toneladas de ouro apenas para a Suíça ano passado. Ouro e ferro, diamante e potássio, são mercadorias que enchem o mercado internacional. Servem à construção civil ou à agricultura, e tem um preço baixo por quilo, mas provocam grandes estragos na extração. Já as preciosidades, que tem preço alto por peso, também produzem grandes danos de exploração – mas não servem para o metabolismo social dos países que importam. São bens de luxo e especulação financeira. 

A grilagem das terras e do subsolo avança, e o resultado é devastador, produz uma sinistra associação de genocídio e ecocídio, que eu chamo de uma “ecologia do genocídio”. Caso marcante é o genocídio e a devastação do território do povo Piripkura, no MT, um caso de extermínio longo no tempo, mas acelerado em destruição, como mostrou um levantamento da OPAN, com a chegada de Bolsonaro ao poder: garimpo ao redor da terra indígena  Piripkura dispara e ameaça grupo isolado.

Numa panorama mais amplo, dentro do sistema global de trocas comerciais, o que Bolsonaro, os militares e a Casa Grande financeira estão fazendo no Brasil é uma continuidade da histórica exploração colonial: tirar do sul, levar para as metrópoles do norte, enriquecendo as classes dominantes, sob o auspício da pistolagem armada. 

Uma drenagem que é o motor da desigualdade global, do desenvolvimento desigual e da catástrofe ecológica que vivemos. Drenagem que faz com que autocratas associados com classe dominante inescrupulosa, protegidos pela pistolagem de um exército subserviente, sintam-se a vontade para promover o genocídio dos povos indígenas para “resolver o problema”. 

Aqui, fica o buraco, o sangue, a terra arrasada. 

 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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