

Opinião
Barroso no STF
O ministro assume uma Corte em rota de colisão com o Congresso


Mais novo presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luís Roberto Barroso quer uma Corte popular. Aposta na expansão do relacionamento institucional com a sociedade, visando a resgatar a reputação e o prestígio perdidos durante o mandato de Jair Bolsonaro e, de quebra, reforçar o tribunal nos embates que certamente terá com um Congresso de perfil reconhecidamente conservador.
As preocupações não são infundadas. A pesquisa “A Cara da Democracia no Brasil”, do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação, indica que o porcentual de brasileiros que não confia no STF oscilou de 28,6% em 2018 para os atuais 35,9%. Houve picos de 42,1% e 43,4% em 2019 e 2021, respectivamente, no auge dos ataques bolsonaristas às instituições. E o cenário de confronto com o Congresso Nacional também está no horizonte: há discussões simultâneas no STF e no Legislativo sobre as quais a divergência é pública.
O Supremo deve enfrentar os temas da descriminalização do aborto e do porte de drogas e avançar com os julgamentos dos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, pautas polêmicas, cujo resultado tende a colocar em rota de colisão os dois poderes da República. O recente julgamento do marco temporal também desagradou aos parlamentares, que ameaçam retalhar a Corte por vezes exumando temas como o do casamento homoafetivo, que volta à pauta por impulso nefasto de comissão na Câmara composta de uma maioria conservadora e com apoio significativo da bancada evangélica.
Barroso terá, além de tempo – seu mandato vai até 2026 –, uma série de instrumentos que lhe permitem alguma margem de manobra para alavancar a popularidade do Supremo. Se, por um lado, a relevância do cargo acompanhou o crescente protagonismo político do STF, agregando-se poder decisório ao seu presidente, que passou a exercer também alguma representação institucional perante os demais poderes e autoridades da República, por outro, a presidência sofreu com os desgastes dos últimos anos, vendo decotados seus poderes e alterada a conjuntura política favorável à sua intervenção.
Atualmente, a ampliação do plenário virtual mitiga o poder de agenda do ou da presidente do STF, por exemplo. Barroso enfrentaria maior dificuldade do que seus antecessores para estabelecer uma agenda de prioridades para o Supremo, pois sua capacidade de manipular a pauta de julgamento se restringe ao plenário físico. Também como decorrência da centralidade do plenário virtual, responsável por 97,6% das decisões colegiadas em 2022, algumas medidas que o ministro propõe para aprimorar a comunicação do tribunal com a sociedade se enfraquece. É o caso da pretendida valorização das argumentações trazidas pelos advogados e os amicus curiae durante os julgamentos que restringe a interação e dialogicidade entre partes e julgadores ao plenário físico.
Ainda: a hiperexposição midiática individual dos ministros se sobrepõe aos canais institucionais de comunicação do STF com a sociedade, de modo que o ministro tem pouco a fazer no que toca à redução de ruídos e interpretações equivocadas em relação ao desempenho do tribunal. Embora louvável, a iniciativa para tornar as decisões do Supremo mais acessíveis ao público produz efeitos limitados sobre o potencial de campanhas difamatórias contra a Corte que são, muitas vezes, ancoradas nos rumores provocados pelos embates entre os próprios ministros.
Por fim, o projeto de um Supremo mais popular e acessível contrasta, nos planos de seu presidente, com a proposta que endereça à base do Judiciário, reveladora da dimensão mais efetiva do governo e gestão que pode desempenhar por acumular a presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Barroso prevê a utilização sistemática de Inteligência Artificial para permitir aos juízes acesso célere a decisões já tomadas, em desapego absoluto às interações com a sociedade.
Um tanto errático e em alguma medida contraditório, o plano de Barroso para o Supremo tende a dar em nada. No cenário atual, as iniciativas do ministro dependem mais do apoio que for capaz de construir dentro de casa do que dos mecanismos que tem à disposição para as reformas pretendidas. E Barroso não é, convenhamos, o mais popular dos ministros entre seus pares. •
Publicado na edição n° 1279 de CartaCapital, em 04 de outubro de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Barroso no STF’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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