Opinião
Automutilação lavajatista
Ao contrário dos alegados êxitos na recuperação de valores, o punitivismo estatal atrofiou cadeias produtivas de setores estratégicos, causando graves desarranjos na economia
A Operação Lava Jato, sob o pretexto de combater a corrupção, acarretou efeitos nefastos para os direitos fundamentais à dignidade e à liberdade de muitas pessoas, consequência admitida por instâncias do Judiciário brasileiro e até mesmo pela Organização das Nações Unidas. Tal constatação se deu, inclusive, quando a Lava Jato, disfarçada de bons propósitos, detinha elevada credibilidade pública e mesmo institucional.
Sem dúvida, a operação se traduziu em um dos maiores escândalos da história do Estado brasileiro e uma das mais danosas manifestações, desde a ditadura de 1964, do poder de persecução do Estado. Muito além de violar procedimentos formais ou de estabelecer, simplesmente, uma intepretação rigorosamente punitivista de normas jurídicas, a Lava Jato fulminou a própria relação que se estabelece entre o Estado e os indivíduos em termos civilizatórios, subverteu a nossa democracia constitucional e destruiu, irreversivelmente, importantes alicerces da economia do País.
Ao fustigar empresas brasileiras, prejudicando fontes de renda, o poderio de persecução penal estatal reduziu a uma tábula rasa os princípios constitucionais norteadores da ordem econômica que garantem o livre exercício de atividades produtivas e reconhecem que uma empresa é legítima fonte de diminuição de desigualdades, de valorização do trabalho e de busca do pleno emprego. Ao contrário dos alegados êxitos na recuperação de valores, o punitivismo estatal da Lava Jato atrofiou cadeias produtivas de setores estratégicos, causando graves desarranjos na economia brasileira. Seu custo social e o efeito devastador para a infraestrutura nacional, para empregos e para investimentos foram objeto de diversos estudos.
O impacto da Lava Jato para o Produto Interno Bruto (PIB) foi estimado pela GO Consultoria em aproximadamente 190 bilhões de reais em riquezas, um valor que foi para o ralo em nome de pouco mais de 10 bilhões que se esperava recuperar no combate à corrupção. Por sua vez, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em parceria com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), calculou que a Lava Jato foi responsável pela extinção de 4,4 milhões de postos de trabalho. Deve-se destacar ainda como resultado da operação a severa fragilização da indústria petrolífera e da sua cadeia de fornecedores, como bem apontou o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, o Ineep.
Sacrifício em vão, denuncia Walfrido Warde – Imagem: Editora Leya
É nessa terra arrasada pós-Lava Jato que o Estado brasileiro possui o dever de executar políticas públicas de planejamento e de incentivos que fomentem o desenvolvimento do País, além de rever políticas de combate à corrupção. Walfrido Warde Jr., em seu livro O Espetáculo da Corrupção (Editora Leya), sentencia que não é preciso destruir as empresas brasileiras para enfrentar a corrupção, nem vulnerar conquistas preciosas. Denunciando a automutilação desnecessária e oligofrênica, o autor é enfático em evidenciar a necessidade de repensar os meios de combate a práticas ilícitas e a relação entre o Estado e as empresas.
Assim, cabe ao Estado brasileiro reconhecer o desmantelamento da infraestrutura do País pela Lava Jato e assumir sua responsabilidade constitucional na preservação das empresas e dos empregos para, nesses termos, fornecer respostas efetivas aos combalidos mercados estruturantes da economia nacional. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1210 DE CARTACAPITAL, EM 1° DE JUNHO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Automutilação lavajatista”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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