Opinião
Até quando negarão que há veneno em nossos pratos?
Publicações têm data e hora certa para fechamento; se chegam depois, estimados, a fila anda
Na semana passada, entre 5 e 8 de junho, ocorreram no Palácio de Exposições do Parque Anhembi, São Paulo, a Bio Brazil Fair, ramificação da Biofach América Latina, originalmente alemã, e a Naturaltech, os maiores eventos voltados às produções e alimentação orgânicas e naturais no mundo.
Compareci pelo terceiro ano consecutivo, este último uma explosão de crescimento, desenvolvimento e inovação tecnológica para construir uma vida mais saudável no planeta.
Além das 672 empresas nacionais expositoras, 33% acima do ano passado, mais de 30 empresas, de 13 países diferentes, estiveram presentes, para um púbico de quase 50 mil visitantes. As inúmeras rodadas de negócios fazem os organizadores estimarem, até o fim do ano, geração de 1 bilhão de reais de vendas originadas pelas feiras.
Entre as autoridades, representando o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), esteve lá presente a coordenadora de Produção Orgânica da Secretaria de Defesa Agropecuária, Virginia Lira. Que eu saiba, nessun altro. A ministra Tereza Cristina, nem pensar. Talvez, na faina de aprovar um agrotóxico por dia ou desfazer as tontices feitas pelo seu parça no ministério das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
Por dever de ofício, no entanto, entre 27 de abril e 1º de maio, compareci à 27ª Agrishow, em Ribeirão Preto. Esta, autointitulada Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação.
Estranho o “em ação”. Qual seria o contrário, não sei. Talvez implicância minha, a mesma que tenho quando o agronegócio se pretende tech, pop, tudo. Vejo alguma arrogância nisso.
Bem, lá sim estava uma empolgada ministra a anunciar um saco de bondades aos ruralistas, logo negados pelo superministro da mínima Economia, Paulo Guedes. Esses olhinhos se marejaram em lágrimas com o discurso do surpreendente Capitão Jair Bolsonaro.
Mas, ranzinza, vamos à essência desta coluna.
Na edição impressa nº 1058 de CartaCapital, 12 de junho de 2019, entre as cartas recebidas está uma da Assessoria Especial de Comunicação e Eventos do MAPA.
Mais uma implicância. A designação completa me comeria e encheria suas paciências em 65 caracteres a mais. Por respeito, deixei o ‘especial’ e o ‘eventos’. Também não precisaria.
Na carta, os especiais criticam matéria da Carta, “O Veneno da Musa”. Querem um “outro lado”, pois creem que “Nem nós [eles], nem o Ibama, nem a Anvisa, envenenamos o prato de ninguém”.
Ao reclamar da não publicação dos argumentos de seus técnicos esquecem dois aspectos: 1) caso sejam sérios, concordariam com a matéria, pois, sabem que a imponente liberação dos registros de agrotóxicos trará sérias implicações no campo; 2) publicações têm data e hora certa para fechamento; se chegam depois, estimados, a fila anda.
Como álibi, mencionam a presença da ministra na Semana de Orgânicos, promovida pelo MAPA, em seu lançamento. São feiras estaduais, de menor expressão, e a que ela compareceu em seu próprio quintal, Brasília, DF. Nada mais fácil.
Mas os especiais acham que não envenenam o prato de ninguém. Ah, não? Envenenam, sim, inclusive os de vocês mesmos nos refeitórios e restaurantes da Esplanada dos Ministérios.
Quem diz isso são vocês mesmos em seu Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), criado em 2001, e estranhamente não mais divulgado, a partir de 2015.
Já me ocupei do assunto aqui várias vezes. Não voltarei com dados do passado. Tenho certeza que tudo melhorou e virou natural e orgânico, depois da “Musa do Veneno” ter assumido o ministério.
Nossos pratos exprimem briga entre cobra coral e cascavel, meus diletos “especiais”.
Inté.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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