Economia

Assim como a cloroquina contra a Covid, Selic elevada para combater inflação é ineficaz

Aumentos na Selic não reduzem a indexação, são inócuos para frear a inflação de custos, ineficientes para controlar a demanda, elevam os custos das empresas e pressionam os preços

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Foto: Raphael Ribeiro/BCB
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Na última quarta-feira 22, o Comitê de Política Monetária, o Copom, do Banco Central, divulgou sua decisão de manter a taxa Selic em 13,75% a.a., o que faz com que o país continue a praticar a taxa real de juros mais alta do mundo, muito à frente das demais.

Isso apesar de que a economia vem desacelerando desde o segundo semestre de 2022 e de que as expectativas de crescimento para 2023 estão abaixo de 1%. Apesar também de que muitos países devem suspender aumentos planejados em suas taxas básicas em razão dos impactos da ampliação da crise financeira, cujo alcance ainda é desconhecido.

O argumento usado para manter as taxas em níveis tão altos é o de sua necessidade para combater a inflação. Ocorre que, apesar de praticar há décadas taxas reais que, numa perspectiva internacional, são excepcionalmente altas, a inflação no país não tem sido, nessa mesma perspectiva, especialmente baixa. Ou seja, a política monetária no Brasil tem se mostrado muito ineficiente, o que se deve principalmente às seguintes características da inflação no país.

Em primeiro lugar, ainda existem vários mecanismos formais e informais de indexação automática, que são pouco ou nada afetados por variações nas taxas básicas de juro.

Em segundo, a maior parte da inflação tem sido o resultado não de pressões de demanda, mas de aumentos de custo. Estes resultam principalmente dos intensos e frequentes choques de oferta que têm impactado em especial os preços da energia e dos alimentos, bem como da volatilidade muito elevada do Real (a maior entre as moedas das economias emergentes), que aumenta o preço dos insumos e produtos importados quando há desvalorização cambial, mal compensados na valorização. Numa economia altamente oligopolizada como a brasileira, onde a baixa concorrência na maior parte dos mercados permite às empresas repassarem os aumentos de custo aos preços, as altas nos juros são quase que totalmente inócuas contra esses aumentos.

Em terceiro, mesmo para controlar pressões de demanda, altas taxas de juros são especialmente ineficientes no Brasil. Isto porque, entre poupadores, poucas decisões de gasto são na prática adiadas ou antecipadas em função de variações na Selic, fazendo com que a demanda quase não seja por elas afetada. Já entre os tomadores de crédito, os altos spreads vigentes fazem com que movimentos na taxa básica de juros gerem variações relativamente muito pequenas nas taxas finais que, assim, tampouco impactam as decisões de gasto. Por exemplo, mesmo que integralmente repassado, um aumento de 1 p.p. na Selic elevaria a taxa média de juros do cartão de crédito rotativo de 411% (taxa em jan/23) para 412%, não afetando nenhuma decisão. Além disso, em razão da renda média baixa no país, em geral não é a taxa de juros que limita o gasto apoiado no endividamento, mas sim a restrição ao crédito e o valor da parcela a ser paga, muito menos sensíveis à Selic do que ao número de parcelas utilizado.

Ainda, aumentos na taxa de juros, ao elevar o custo financeiro das empresas, geram pressões pela elevação, não pela redução dos preços. Além disso, ao afetar mais os investimentos que o consumo, eles limitam a expansão da capacidade produtiva, o que dificulta o atendimento futuro da demanda e aumenta a resiliência da inflação.

Ou seja, aumentos na Selic não reduzem a indexação, são inócuos para frear a inflação de custos, ineficazes para controlar a demanda, elevam os custos das empresas e pressionam os preços, o que os torna extremamente ineficientes para combater a inflação, sendo capazes apenas de a muito custo e mal, conter a propagação dos aumentos de preço.

Diante dessa ineficiência, de inviabilizar a grande maioria dos investimentos produtivos, comprometendo o crescimento da economia e a geração de renda e emprego, e de carregar evidentes impactos distributivos perversos e enorme impacto negativo sobre as finanças públicas, a conveniência do uso da taxa básica de juros como instrumento principal, quando não único, para combater a inflação no Brasil, é indefensável. Assim como a cloroquina contra a Covid-19, a Selic em níveis extremamente elevados contra a inflação é ineficaz e ainda pode matar o paciente.

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