Josué Medeiros

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Josué Medeiros é cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB)

Opinião

As possíveis consequências eleitorais da declaração de Lula sobre Gaza e o Holocausto

Não há, ainda qualquer evidência empírica de que os evangélicos no Brasil vão se orientar pela posição internacional de Lula. Já o chamado ‘centro democrático’, talvez

Foto: Evaristo Sá/AFP
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A semana começa com a repercussão da necessária e impactante declaração de Lula sobre o genocídio do povo palestino em curso hoje na Faixa de Gaza, comparando-o com os horrores do Holocausto nazista.

A declaração foi repudiada pelo governo genocida de Israel, que acusou Lula de cruzar uma “linha vermelha” e o tornou “persona non grata” no país; e no Brasil não apenas por grande parte das entidades judaicas, algumas das quais apoiaram o Lula em 2022, mas também por setores do “centro democrático”, especialmente aqueles posicionados na mídia, que foram importantes no 2º turno ao romperem com Bolsonaro e aderirem à ‘frente ampla’. 

É pela reação negativa desses setores que faz sentido discutir os impactos políticos internos desta declaração.

Para entender as palavras de Lula, precisamos vê-las não como um comentário isolado, mas como parte de uma escolha política mais ampla. Ele está alinhando o Brasil com a posição que considera as ações em Gaza não como um conflito armado comum, mas como um genocídio, conforme expressa a adesão à denúncia feita pela África do Sul contra Israel no Corte Internacional de Justiça, em Haia. Por isso, faz sentido que o presidente Lula diga publicamente que o que está acontecendo em Gaza não é uma guerra, mas sim um genocídio.

Também faz parte do jogo da política internacional o Brasil usar exemplos históricos para fundamentar sua postura em conflitos globais. O Brasil tem uma tradição de encarar sua política externa como uma política de Estado, que transcende governos individuais, com um compromisso firme com a paz, a cooperação entre países, e uma condenação contundente de violações sérias dos direitos humanos. Além disso, o Brasil defende e busca soluções para conflitos que sejam mediadas por organizações internacionais.

Faz todo sentido, portanto, que Lula recorra ao exemplo do Holocausto para dar dimensão da gravidade do que ocorre com os palestinos hoje. O erro do presidente, nesse caso, foi não mobilizar outros exemplos de genocídio. A frase :“o que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existiu em nenhum outro momento histórico” abriu um flanco retórico que está sendo explorado por Israel.

Lula pode e deve corrigir sua fala mencionando a coerência do Brasil em repudiar outros eventos genocidas, como, por exemplo, o genocídio tutsi em Ruanda ou mesmo o genocídio dos povos originais do continente americano pela colonização europeia. Quem defende os direitos humanos de modo coerente não pode hierarquizar crimes contra a humanidade, como Netanyahu tenta fazer colocando o Holocausto acima dos demais eventos como forma de justificar o genocídio que ele põe em curso atualmente. 

Quantos aos impactos políticos internos, é preciso colocar água na fervura. Articulistas têm afirmado que a posição de Lula vai custar caro eleitoralmente, sobretudo no segmento evangélico. O problema é que não há, ainda qualquer evidência empírica de que as pessoas evangélicas no Brasil vão se orientar pela posição internacional de Lula para definir suas preferências.

https://www.youtube.com/watch?v=p0Fj1ZqbIcs

Pelo contrário, o que as pesquisas indicam é uma leve melhora na avaliação do governo junto a esse setor, que tem percebido uma melhora nas suas condições de vida, embora ainda não tenha majoritariamente se desarmado contra o governo e a esquerda em geral. Ademais, o que as pesquisas historicamente mostram é que, no Brasil, os temas da política externa não são critérios prioritários de definição do voto para nenhum segmento expressivo da sociedade brasileira. Na hora da urna, o que importa são as questões internas, sejam elas econômicas, de qualidade de vida, de perspectiva de futuro ou de valores. 

Já sobre os setores do chamado “centro democrático”, é possível que rompam com Lula em 2026 pela posição sobre Israel? Sim. Os dados indicam, contudo, que em 2026 eles estarão sobre o mesmo dilema de 2022: uma eleição polarizada entre Lula e um candidato apoiado por Bolsonaro, sendo que, até lá, é provável que toda a operação golpista do bolsonarismo já tenha sido elucidada e punida.

Será nesse cenário interno que as opções de voto serão tomadas. No mais, o que importa mesmo não são os efeitos eleitorais desta ou das próximas declarações de Lula, mas sim ampliar a mobilização internacional para cessar o genocídio promovido por Israel em Gaza.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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