Paula Nunes

Advogada criminalista, defensora de direitos humanos e codeputada estadual no mandato coletivo Bancada Feminista do PSOL.

Opinião

As consequências do conservadorismo de Zanin para o encarceramento da juventude negra

Em apenas três semanas no STF, o ministro, indicado por Lula, apresentou posturas conservadoras e escancarou a necessidade das próximas indicações refletirem as demandas das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros

O advogado Cristiano Zanin, novo ministro do STF. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
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Em seu mês de estreia no Supremo Tribunal Federal, o ministro Cristiano Zanin já acumulou votos conservadores, na contramão da garantia de direitos e que, inclusive, divergem de parte dos demais ministros.

Na última quinta-feira 24, enquanto debatiam a descriminalização do porte da maconha,  Cristiano Zanin foi o único a  apresentar contrariedade.

Chamou atenção porque o ministro, indicado recentemente por Lula, apresentou em seu voto a argumentação de que a descriminalização poderia agravar o combate às drogas. Após a contrariedade de Zanin, o ministro André Mendonça, indicação de Jair Bolsonaro, pediu vistas no processo.

A postura é preocupante, na medida em que desconsidera a quantidade de pessoas presas no país, em sua maioria negros e negras. Em 2005, 14% dos presos do sistema carcerário brasileiro eram acusados ou condenados por tráfico de drogas. Em junho de 2022, esse percentual era de quase 30%, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Também em 2022 a população prisional no Brasil chegou a 832.295 pessoas, número que representa um aumento de 257% desde 2000. Destes, 68,2% são pessoas negras.

A Lei Antidrogas, 11.343, não define de forma objetiva o que diferencia a condição de usuário da de traficante, o que acaba ficando a critério de cada juiz. Desta forma, é comum ver jovens negros presos em abordagens policiais por tráfico portando quantidades ínfimas, enquanto jovens brancos e fora da favela são pegos com a mesma quantidade e são considerados usuários.

Sem essa tipificação e estabelecendo um aumento da pena mínima de prisão para o crime de tráfico, que passou de três para cinco anos, inviabilizando a adoção de penas alternativas ao cárcere, a Lei Antidrogas é considerada um dos principais fatores para a aceleração do processo de encarceramento em massa da população brasileira.

Mas não foi só no seu voto contra a descriminalização do porte de maconha que Zanin desconsiderou o encarceramento em massa. O ministro também votou contra o princípio da insignificância em furtos de até R$100. Zanin apresentou relatório para manter a condenação de dois homens acusados de furtar um macaco de carros, dois galões com combustível e meia garrafa de óleo diesel. A defesa pediu o reconhecimento do princípio de insignificância considerando que os produtos tinham baixo valor e foram recuperados pelas vítimas. Mas Zanin decidiu por manter a condenação.

O voto de Zanin também foi decisivo para o Supremo autorizar que as guardas municipais sejam reconhecidas como órgão de segurança pública. E foi o único ministro do STF a votar contra o reconhecimento de ofensas contra pessoas LGBTQIAPN+ como injúria racial.

A postura conservadora de Cristiano Zanin em votações em que sequer havia pressão da sociedade evidenciam a necessidade de ter ministros e ministras no Supremo Tribunal Federal que representem, de fato, a população brasileira.

O próximo ministro deverá ser indicado pelo presidente Lula em outubro, para substituir a ministra Rosa Weber. O que era uma necessidade evidente se torna uma oportunidade nesse momento. Não podemos perder a chance de ter a primeira mulher negra como ministra do STF. Além de uma reparação, pode impactar a vida de milhões de trabalhadoras e trabalhadores que sofrem com a atual política de encarceramento no nosso país. Qualquer que seja essa escolha, esperamos que esteja ao lado da busca pela garantia de direitos fundamentais para todas e todos.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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