Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Aquele jogo do Brasil

Foi numa tarde de domingo que resolvemos ir a Gelsenkirchen, na Alemanha, ver o Brasil jogar contra o Zaire, torcer em silêncio pro Zaire

Registro do jogo entre Brasil e Zaire na Copa do Mundo de 1974. Foto: Reprodução
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Exilados, vivíamos a angustia de torcer ou não torcer pelo Brasil. Vínhamos de um tricampeonato no México, que entrou para a história. Como entrou para nossa história aquela imagem em preto e branco do ditador Emilio Garrastazu Médici levantando a taça Jules Rimet, faturando em cima do povo e consolidando o regime militar, que torturava, matava, sumia com os amigos para nunca mais.

Foi numa tarde de domingo que resolvemos ir a Gelsenkirchen, na Alemanha, ver o Brasil jogar contra o Zaire, torcer em silêncio pro Zaire.

Juntamos todas as notas e moedas de francos franceses, fizemos as contas e vimos que dava pé ir. De carona.

Pegamos a estrada rumo à Alemanha, através de uma das portas de Paris, e fomos caminhando. A ideia não era fazer o que Werner Herzog fez quando estava em Paris e soube que a melhor amiga estava com câncer. Ele saiu caminhando e chegou a Munique.

A primeira carona, num luxuoso BMW, nos deixou a uns 70 quilômetros da cidade luz. Não era muito, mas consideramos meio caminho andado. Ficamos na porta de um restaurante cuja especialidade era gigot d’agneau aux flageolets. Nosso dinheiro não dava nem para passar perto. Lá se foi o primeiro sanduíche que levamos.

De picadinho em picadinho, acabamos chegando em Gelsenkirchen. Ainda não havia Waze, aplicativo nenhum que nos orientasse. Sabíamos que era ali a Copa do Mundo porque um pequeno monumento na entrada da cidade dizia: Willkommen bei Gelsenkirchen! Ou coisa parecida.

A cidade era bem pequena, bem menor do que Belo Horizonte. Fomos caminhando a pé até o centro, passando por lojas de sapatos, roupas, material de construção, carrinhos de salsicha com pão em cada esquina, mas nenhum sinal de Copa do Mundo.

A única pista estava na vitrine de uma loja de discos, enfeitada com todas as bandeiras dos países participantes. Lá no cantinho estava a nossa ordem e progresso.

Descobrimos que ali vendiam ingressos e compramos os dois. Em 1974, não havia esse estresse de comprar ingresso pela internet, um ano antes. Comprava-se na hora.

Uns quarenta minutos antes do jogo, já estávamos sentados na arquibancada comendo um sanduíche de pão com salsicha e tomando uma Fanta, a primeira Fanta que vimos com a garrafa verde.

Os times entraram em campo e eu me sentia no Estádio do Independência, assistindo a um América e Democrata. Não havia nenhuma euforia, o que me fazia até a desconfiar se aquele era mesmo um jogo da Copa do Mundo.

O Zaire vestia uma camisa amarela com a palavra Leopards escrita na frente.

Jairzinho aos 12 minutos, um a zero. Rivelino aos 66 minutos, dois a zero e Valdomiro aos 79 minutos, três a zero.

E o jogo acabou.

Tristeza em Kinshasa.

Fomos direto para a estrada porque o caminho de volta era longo.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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