Aldo Fornazieri

Doutor em Ciência Política pela USP. Foi Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), onde é professor. Autor de 'Liderança e Poder'

Opinião

Anarquia institucional

Bolsonaro é o maior responsável pelo estado das coisas, mas não o único

EVARISTO SA / AFP
Apoie Siga-nos no

O Brasil vive um período de anarquia institucional, não no sen­tido do regime político proposto pelo anarquismo ideológico, mas no sentido de uma desordem no funcionamento das instituições. O principal artífice dessa desordem é Jair Bolsonaro, mas não o único. A instituição presidencial é a mais degradada. Foi posto ao rés de uma sarjeta. Mas os elementos de degradação da democracia estão também no Congresso, no Judiciário e nas Forças Armadas.

É certo que o STF se tornou a trincheira principal de resistência à destruição das instituições democráticas, mas alguns de seus ministros colocam lenha na fornalha para fazer arder o fogo que consome as instituições. Quase todos os partidos e quase todos os políticos são cúmplices dessa erosão, seja porque uns são seus agentes ativos, seja porque outros se omitem na sua covardia e no seu jogo eleitoral, movidos pela busca de cargos, salários, fundos públicos e privilégios,

Bolsonaro aposta na desordem, na anarquia institucional e no conflito com o STF para apresentar-se como o salvador por meio de um golpe no futuro próximo, se perder as eleições. Sem escrúpulos, investe para transformar um criminoso num herói da liberdade. Se vencer, buscará avançar em seu projeto autoritário, enfraquecendo o STF e o Congresso e alterando a natureza das eleições. Buscará alterar a composição do STF para controlá-lo e subordinar o Congresso aos seus desígnios. É certo que os militares da ativa não estão dispostos em participar desse movimento, mas também não o impedirão, se Bolsonaro tiver força para implementá-lo.

Os militares estão numa encruzilhada. Bolsonaro os quer não como protagonistas, mas como linha auxiliar de seu projeto autoritário. Com a ­cumplicidade­ de alguns generais, procura estimular um envolvimento político mais intenso das Forças Armadas. Nessa encruzilhada, os militares precisam decidir se querem servir à Constituição e ao Estado de Direito ou se querem servir à voracidade de poder de um candidato a ditador. Precisam decidir se querem servir ao soldo, aos cargos e aos privilégios ou se querem servir ao povo e ao Brasil. Se quiserem servir ao caminho certo, precisam bloquear o pronunciamento político. A mídia deveria parar de ouvir generais em off sobre temas políticos, para depois reverberá-los com o anonimato da fonte, estimulando a politização militar.

Em países de democracias mais consolidadas, os militares não emitem opiniões políticas, não se imiscuem em processos eleitorais, não falam sobre sistemas de votação. Aqui é o próprio TSE que chama os militares para se intrometerem nesse assunto, mesmo sabendo que Bolsonaro procurará manipulá-los a seu favor.

Nisso tudo está a própria erosão da credibilidade do Judiciário, principalmente pela ação deletéria de alguns de seus ministros. Eles são pagos com o dinheiro do povo e têm inúmeros privilégios para exercer a função de julgadores, de magistrados. Mas alguns querem ser analistas políticos, filósofos, sábios, empresários, promotores de eventos públicos, comentaristas, palpiteiros, tuiteiros, e por aí vai. Quando descem do patamar de magistrados para o patamar da vida comum, põem em risco a sua condição de magistrados e a imparcialidade nas sentenças. Deveriam respeitar o Brasil e o povo e se ater às funções ou abandonar o cargo e viver a vida profana.

A Câmara dos Deputados chegou a um de seus piores níveis de degradação da história. Tornou-se sócia do projeto autoritário de Bolsonaro. O Centrão controla a Câmara e o Palácio do Planalto. Os deputados legalizaram o maior escândalo de corrupção já visto: o orçamento secreto. Ele se estrutura em três vertentes de corrupção: é um desvio de verbas, uma compra de apoio no Congresso e uma compra de votos nos currais eleitorais. Estranhamente, os partidos de oposição pouco fizeram contra.

O Brasil, a rigor, não tem governo e não tem oposição. Pouco se fez de oposição, além da CPI da pandemia. A oposição, com a exceção de alguns poucos ­deputados e senadores combativos, foi tão pálida, insípida e protocolar a ponto de os atos autoritários e o desgoverno de Bolsonaro parecerem normais. Bolsonaro, alguns de seus ministros e deputados defendem o golpe de 1964, ditaduras e ditadores, torturas e torturadores naturalmente. Nada de excepcional por parte da oposição. A degradação da democracia tornou-se algo natural.

As instituições brasileiras são liquidadas ao preço do assalto aos cofres públicos por parte de alguns e ao preço do pânico, da covardia e do eleitoralismo por parte de outros. Alguém precisa reagir e estancar essa indignidade. Se não são os políticos, que sejam os líderes da sociedade civil. Porque, enquanto a democracia fenece, o povo, abandonado, sofre todos os tipos de vicissitudes. Deixado assim, nas eleições se agarrará a qualquer tábua que julgue ser uma salvação. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1206 DE CARTACAPITAL, EM 4 DE MAIO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Anarquia institucional”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.