Josué Medeiros

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Josué Medeiros é cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB)

Opinião

Ampliar prefeituras de esquerda é crucial para Lula em 2026

Se candidatos aliados ao governo, especialmente da esquerda, saírem vitoriosos do pleito municipal, Lula terá muito mais condições de alterar a situação no parlamento

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No primeiro texto desta coluna, listei as muitas (e desafiadoras) tarefas que se colocam para a cidadania brasileira na construção de uma democracia inabalável. Quanto a esses desafios, há um significativo consenso entre movimentos sociais, partidos políticos progressistas e o conjunto da sociedade civil democrática. As discordâncias surgem ao listar prioridades e, principalmente, ao definir os caminhos de luta para alcançar êxito nas tarefas da democracia brasileira.

Não pretendo aqui dissecar todas as possibilidades e polêmicas sobre estratégias da militância social e do ativismo democrático em nosso país. Pretendo, sim, dar um passo atrás e colaborar com um diagnóstico sobre o terreno político onde a ação coletiva vai se dar. Interpretar a correlação de forças de nossas instituições e sociedade é o primeiro passo fundamental para ter êxito nas lutas democráticas. E, apesar de apertada, a vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2022 tem provocado, com alguma frequência, um erro nessa interpretação, como se a vitória de Lula significasse que agora a esquerda tem maioria, seja na sociedade, seja nas instituições.

É preciso, portanto, afirmar em alto e bom som que esta visão está equivocada. A esquerda segue minoritária no parlamento nacional, nos governos estaduais e nas prefeituras e parlamentos municipais.

No parlamento nacional, a bancada da esquerda (PT, PSOL, PCdoB, PV, PDT e PSB) soma 138 deputados federais. Para se ter uma ideia, em 2002, quando Lula foi eleito pela primeira vez, esse número era de 149 deputados. De lá para cá, a esquerda primeiro aumentou seu tamanho no Congresso Nacional (até 2010), para então regredir a partir de 2014. Mais do que isso, é fundamental entendermos que a maioria dos congressistas eleitos em 2022 apoiaram Bolsonaro para presidente, incluindo Arthur Lira e seu grupo.

Logo após as eleições, o presidente da Câmara, Arthur Lira, fez gestos de composição com Lula, tais como reconhecer o resultado das eleições e pactuar a PEC da Transição. Mas isso não exclui que ele trabalhe todos os dias para enfraquecer os poderes do presidente da república, atacando o governo não apenas em agendas (caso do marco temporal), como também em uma ação institucional para manter o alinhamento entre o executivo-legislativo que vigorou com o bolsonarismo. Qualquer análise crítica sobre avanços e recuos legislativos precisa levar isso em conta de modo central. No Senado Federal, o quadro é parecido, embora o presidente Rodrigo Pacheco tenha aceitado uma certa recomposição entre os poderes executivo e legislativo, concentrando seus ataques no Supremo Tribunal Federal.

No âmbito dos governos estaduais, a esquerda conquistou, em 2022, apenas 8 governos estaduais de 27 no total, seis deles no Nordeste, região onde Lula é mais forte. Isso expressa uma correlação de forças eleitoral bastante minoritária no conjunto do país.

Por fim, a situação nas prefeituras das capitais e cidades com 2º turno (que são importantes polos regionais e estão entre as mais populosas do país) não é muito diferente. Em 2020, o PT não elegeu nenhuma capital e avançou de zero para 4 cidades com 2º turno – Diadema (SP), Juiz de Fora (MG), Contagem (MG) e Mauá (SP). O PSOL conquistou Belém (PA). O PSB conquistou duas capitais, Recife (PE) e Maceió (AL), e duas cidades com segundo turno, Petrópolis (RJ) e Guarujá (SP). O PDT conquistou duas capitais, Aracaju (SE) e Fortaleza (CE), e mais duas cidades com segundo turno, Niterói (RJ) e Serra (ES). Das 100 cidades mais populosas do Brasil, a esquerda governa apenas 13 no total. É muito pouco e, assim como no caso dos governos estaduais e parlamento, indica o quanto a esquerda é minoritária, apesar da vitória fundamental de Lula para a democracia em 2022.

Na dimensão institucional, as eleições municipais de 2024 são uma primeira grande chance de mudar esse quadro.

Ampliar as prefeituras da esquerda, especialmente nas capitais e grandes centros, é crucial para a constituição de um ciclo de avanços democráticos e sociais até 2026. Se candidatos aliados ao governo federal, especialmente da esquerda, saírem vitoriosos do pleito municipal, Lula terá muito mais condições de alterar a situação no parlamento. Isso confirmará que o presidente será um forte candidato à reeleição em 2026, o que por sua vez ajuda a atrair deputados que hoje ainda operam na lógica do presidente da Câmara.

Além disso, vitórias eleitorais em capitais como São Paulo, onde o presidente Lula apoia Guilherme Boulos do PSOL, são decisivas para uma alteração da correlação de forças institucional. A capital paulista já deu maioria para a esquerda, em 2022, quando

Haddad conquistou 56% dos votos e Lula 55%. Confirmar essa hegemonia elegendo Boulos prefeito significará uma grande vitória para a esquerda e uma derrota substantiva para a extrema direita.

No próximo texto, vamos nos aprofundar sobre outra dimensão da correlação de forças, que é a social, e que alcança movimentos sociais e a sociedade civil como um todo. Essa dimensão é fundamental para projetar uma alteração da correlação de forças na dimensão institucional.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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